por P. R. Schneider__
SEQUELA
No dia em que se sucedeu o fim,
eu não te olhei-
Recusei-me a fitar
[Tua alma e tua boca entreaberta]
Na espera da minha boca
[ou da minha partida]
Fui contrário à ideia do abraço,
tocar a ti me parecia repreensível,
pecaminoso.
Eu me trairia se tivesse te olhado
[ainda que no interstícios das palavras]
Estou me traindo por te dedicar estes versos.
Perdão.
Não pela distância, nem pelo fim
[pelo verso].
Rodeei muito tuas mãos com os olhos,
era nos seus dedos que me perdia.
Observando-os tatear vísceras invisíveis de um amor.
Tua sombra projetada na parede,
tuas orelhas meio rosas,
tua boca eu ignorei,
[iria me trair se as olhasse de tão perto],
o caído de teus ombros vencidos,
as pequenas linhas que constituíam tua camisa.
Tudo em ti era ali,
era por ali que começava.
Mas não te olhei-
Porque o faria?
Eu me trairia.
Queria muito ter me traído,
e te tido, só por hoje, só por agora.
Mas você me olhou, você me viu,
pela primeira vez você me viu na hora em que eu partia.
O mal do último beijo é nunca saber que é o último.
IYA
Todas as feridas do mundo ainda sangram.
Corpórea e materialmente pulsam.
Em um magnetismo cadente;
Indo e vindo nas ondas de uma praia longínqua,
onde nada aporta.
Se mesclam na atmosfera o suor e o orvalho de quem pariu o mundo, nas pernas abertas; o porvir.
Margeando as encostas do insólito chão sem sal, cuspindo em sangue a alma na mistura indigesta do ferro.
Amargo aço singrando no corpo-mar.
O negrume do céu afaga o espírito insolente que ousou rebelar-se em um abraço uterino de fera.
Pulsa o atabaque no findar do mundo,
sibila a serpente que libertou Eva.
Se aproxima Iku.
Leva a Iya do Mundo sobre o chão órfão do Brasil.
P. R. Schneider - Eu existo. Isso é o suficiente.