Poemas do livro Compêndio para moças de olhos lânguidos, de Isabela Penov

 por Isabela Penov__










características organolépticas 


1. 


O comprimido de 300 mg é insípido e tem odor característico. 

A cápsula de 250 mg é insípida e tem odor característico. 

Este quarto de 3m2 é insípido e tem odor característico. 

Esta sopa de uns 350ml é insípida e tem odor característico. 

Meu corpo de 1,63m é insípido e tem odor característico. 

Meu corpo de 53kg apresenta-se como um líquido incolor, solúvel nos lençóis, onde se 

             [torna um pó higroscópico branco ou quase branco, cristalino e sem odor. 

O xarope 250 mg por 5ml tem sabor e odor de cereja





2.


Este

grito parado comprimido

na garganta Este túmido não

aqui entalado tímido deve ser

feito de espanto ou

de um canto outrora

sufocado e partido ou

de um silêncio pronto

para ser servido já mastigado

temperado e frio

como sobreme

sa a esse de

us que mas

tiga e de

vora

o meu va

zio







IVANI



De dentro do consultório chamaram:

Ivani!

Ivani atendeu de pronto

mas demorou a entrar, que mancava


Ivani!


Estou indo, doutor.

A voz fraca, mas firme

— estava com dores


Seu acompanhante nos informou que a senhora atentou contra sua vida.

Isso não é verdade, doutor.


No dia anterior, pela manhã

Ivani tinha subido no guarda-roupas e se jogado dali

do alto ao chão

do alto ao chão

do alto ao chão


Então a senhora me explique o porquê

desses machucados,

senhora Ivani.

O homem estava sério


Eu já tenho seis criança, doutor.

Não sabia mais que fazer pra matar essa na minha barriga.

A danada da menina queria nascer de todo jeito.


O médico foi surpreendido

Fez uma pausa e

observou a mulher

ereta, limpa, inabalável


No histórico médico constavam sete abortos provocados

Como a senhora sabe que dessa vez era uma menina?


Ivani fez silêncio

Respirou

Uma lágrima nasceu e ficou parada


Se fosse menino, tinha sangrado na primeira queda.

A voz embargou levemente

Baixou os olhos


A minha menina demorou três.





COLEÓPTERA



Quando eu era menina 

meu pai enfiava besouros dentro de mim 

toda noite 

Ele enfiou muitos besouros 

Enfiava enfiava

Enfiava enfiava

Enfiava 

e às vezes depois chorava 

coitado 

Meu pai morreu

mas os besouros não morrem nunca 

Eles subiram até minha cabeça 

Tem uns cinco mil deles em mim, eu acho 

que uns cinquenta mil deles 

agora zumbindo 

nervosos bem 

aqui 

São eles

os besouros, moço 

são os besouros  

que não me deixam pensar










Isabela Penov nasceu em São Paulo em 1986. É formada em Arte - Teatro pela UNESP e cursa pós-graduação em Literatura, Arte e Filosofia pela PUC-RS. Também é formada em Interpretação Teatral e Fotografia. Há mais de 10 anos atua como professora de Artes e de Teatro na rede pública e particular de São Paulo. Publicou os livros Aves Marias (ou A Revoada), Editora Patuá, 2018 e Compêndio para Moças de Olhos Lânguidos, Ed. Urutau, 2022, realizado com o apoio do Rumos Itaú Cultural. Atualmente, trabalha em seu terceiro livro, Eu Sinto que Nasci para o Pecado, que sairá pelo Selo Manga Rosa em 2023, premiado com o apoio do PROAC - Programa de Ação Cultural do estado de São Paulo.