por Adriano Espíndola Santos__
Amanheci, e o tempo fechou. Estive em dúvida sobre a minha inclinação apocalíptica, sobre a atmosfera mudar em razão do meu humor oscilante: não a tenho mais. João, meu grande amigo, me rogou, insistente e encarecidamente, repouso e juízo, depois de uns dias complicados. “Foi-se o nosso tempo de aventuras irresponsáveis. Cara, você tem um filho! Queira ou não, esteja bagunçado ou não, tem uma família ainda; Suzana não saiu de casa”. A sua seriedade me constrangeu. Prometi que não ia encadear em delírios. “Segura a onda, meu chapa! Segura a onda!”, a frase que me arranha nos momentos mais aleatórios. A merda é continuar vivo e sentindo. Passar esses dias em casa não me deixou melhor. Devia desaguar. As forças têm de expandir, ainda que com algum prejuízo. Não faria como das últimas vezes, que saía sem destino, procurando amigos inventados, para cair em depressão ferrenha no dia seguinte, com o baque da consciência e da moral. Tem a questão financeira também. A separação me abocanhou uns dinheiros guardados. Hoje não tenho reserva. As obrigações do Michelzinho, que são inúmeras, não têm vencimento; aparece, como apareceu na semana passada, boleto de duzentos e oitenta reais para pagar os custos da festinha do Dia das Mães do colégio. Suzana não acredita mais em mim. Não falo no sentido de voltarmos, disso já desencanei, mas sobre algum aperto financeiro, dor ou preocupação: “Ah, não, Leandro, não vem com essa conversa mole. Quando é para gastar com farra, tu arranca dinheiro até do cu”. O pior, para mim, é que perdemos o respeito e o companheirismo – pelo menos ela em relação a mim. Vacilei muito, fui covarde, traíra, mas tenho a ingênua intenção de recuperar ao menos o respeito. Espero que ela me perdoe um dia. Não sou santo nem monstro. A vida desandou, perdi o prumo. Estou a ponto de perder o emprego. Carlos, meu chefe, vem me chamando a atenção para os prazos: “Leandro, assim não dá… Você está me pedindo uma medida mais drástica. Semana passada você perdeu um prazo do processo da Aliança. Puta que pariu, como vamos reverter isso? Espero que tenha uma saída, meu camarada. Vá lá, fale com o juiz, dê o seu jeito. Isso é um aviso bem claro, ok? Mais uma dessa, já era”. Não cola mais a desculpa de que meu casamento está fodido, que minha mulher está doente e tal. Não tem mais casamento, não tenho mais mulher. O problema sempre esteve comigo. Eu sou o problema ambulante. Acho que minha família também me esqueceu. Há anos. Depois que meus pais morreram, só somos eu e meu irmão, que mora fora. Ele me acha um bobalhão – sem declarar diretamente; ele é polido. Fala, quando muito, em amenidades da nossa infância, e para “combinarmos alguma coisa” –, essa expressão ridícula que se usa para completar o vácuo do desinteresse. Não quero ocupar ninguém. Tia Geruza, irmã de mamãe, completou oitenta anos recentemente, e sequer fui informado da comemoração. Não sei se houve. Ela não pôde me atender. Meus primos a escondem. Luíza, a mais velha, me classifica como problemático e instável: “Não traga problemas para a mamãe. Você não tem esse direito, rapazinho” – se eu só quero desabafar. A justificativa é para que ela não tenha outro AVC. Amanheço ao avesso, fora do tempo, fora de mim. O tempo é outro e eu não compreendo. Não sei o que fazer.