Aos olhos castanhos | Davison Souza

 por Davison Souza _







Sentando em uma rede, tendo o vento soprando sobre minha pele-escura, tomando café e escutando as batidas do meu corpo - pulsando em meu coração- minha mente viajou até minha infância, lá eu me vi criança, brincando no terreiro da minha casa, sentindo o cheiro da terra molhada, pela chuva do dia anterior. Nessa época, eu sonhava com o amor, na verdade, com a “romanticidade”, de quem assistia as comédias românticas dos anos 2000, para mim eu encontraria o amor no entardecer, em um encontro premeditado pelo destino que me guiaria a minha alma gêmea.


 Ao crescer e tomar conta da realidade de supremacia branca que me cercava, eu percebia como a sociedade ao me desumanizar enquanto corpo-pronúncia-negro, me negava o direito de amar e ser amado, de como minha autoestima era condicionada pelas relações raciais, em que o lugar do belo e do desejo eram me negados pelo fator-cor da minha pele preta. Durante a juventude, eu fui desromantizando a ideia de amar, e fui sendo endurecido pelo racismo que me condicionava ao lugar do não-amor. Diante dessa realidade, de certo modo, desisti de procurar o amor, até que ele me encontrou.

Andando distraído, em um fevereiro qualquer, meus olhos negros fixaram em olhos castanhos, a beleza daquele olhar que refletia a luz do astro rei, projetava o brilho de um olho-chama, penetrante, meu coração se aqueceu, e foi assim, que o amor me chamou. Respirei fundo, que sensação era aquela que movia (ação) minha mente, meu espírito e meu corpo ao encontro de alguém desconhecido, e assim como Maria Bethânia, eu fiquei “rindo a toa sem saber por quê”.

 Ao longo do caminho, minhas andanças e as andarilhagens dos olhos castanhos sempre se encontravam, fosse na igreja, na faculdade, no trabalho ou em uma segunda-feira qualquer dentro de um ônibus indo ao terminal da Parangaba. Uma força maior, fez aqueles dois caminhos se encontrarem numa encruzilhada - o lugar dos encontros - o laço que se fez no primeiro olhar, virou nó, "nó que ninguém desata" como canta o rapper Emicida.

 O mesmo nó que uniu nossos olhares, uniu nossos corpos, foi assim que a abracei pela primeira vez, como alguém que encontra uma pessoa que não via há muitos anos, eu a apertei forte, nossos braços se entrelaçaram, eu senti a quintura de seu corpo, a suavidade de sua pele e o cheiro de café de seus cabelos-negros. Queria eu, que naquele instante o tempo parasse e aquele abraço-casa durasse para sempre.

 Entre as idas e vindas, em um dos muitos espaços-tempo que compartilhamos, numa praia vazia e diante da lua, ela perguntou se eu a amava. Eu silenciei, tive medo, maturei aquele questionamento por longos meses. Até que em uma noite qualquer, em meio a uma das muitas conversas que tivemos, meu coração falou e meus lábios replicaram: "sim", meu corpo afirmou antes que minha mente, eu a amava.

 Nesse momento o amor se tornou o que ele é, uma ação, como relata bell hooks, em seu livro: Tudo sobre o amor, ela diz: "a melhor definição de amor é aquela que nos faz pensar o amor como ação [...]". Uma ação de dois corpos que se despedem de suas máscaras e se mostram nus (ser quem são) um para o outro.

 Assim como Milton Nascimento, eu acredito que o amor-ação se constrói na estrada de fazer o sonho acontecer. Quando dois corpos se encontram e partilham as alegrias, tristezas, utopias, angústias, lutas e desejos, o amor se torna o que ele é - uma revolução. Amar o outro como ele é, diante de uma sociedade que idealiza e estereotipa pessoas é um ato de coragem.

 Meu coração inquieto encontrou nos olhos castanhos a paz de um amor tranquilo, a serenidade de um amor-ação, que se constrói na comunhão do dia-a-dia. Foi então, que segui o conselho dos meus guias, quando me disseram para que eu não pensasse com a mente, mas com o corpo e o espírito, e me aconselharam para eu ter "(cla)reza e so(risse) ao encontrar o amor.







Davison Souza 
é filho do seu José e da dona Maria, nascido na periferia de fortaleza, Pretagogo é formado em pedagogia pela Universidade Estadual do Ceará, pesquisador em educação antirracista, educaçãopopular e política de cotas raciais. Atualmente cursa o Mestrado Acadêmico Intercampi em Educação e Ensino (MAIE-UECE). É artista e ilustrador digital, formado nos “corres” da vida. Expoe sus artes na página do Instagram @pretart,em que dialoga sobre corpos negros e seus diversos atravessamentos na sociedaderacista do Brasil. É o autor do livro Cota não é esmola: as cotas raciais na UECE, que carrega o selo da editora Mirada