por Taciana Oliveira__
Conversamos com Alexsandro Souto Maior, protagonista do espetáculo "Quaresma". O ator responde também pela adaptação da obra inspirada no romance de Lima Barreto, um dos principais escritores do pré-modernismo brasileiro. Seu romance "Triste fim de Policarpo Quaresma" (1915) faz uma crítica à sociedade urbana da época e ao nacionalismo ufanista. Alexsandro destaca: Quaresma é um caleidoscópio, uma sala de espelho de Leonardo da Vinci, o quarto Arles de Van Gogh, a música de Vila-Lobos, ou seja, é um personagem que foi alimentado intensamente por mim, por Quiercles, e, sobretudo, por Lima Barreto.
1 - A obra "Triste fim de Policarpo Quaresma" é uma crítica à sociedade brasileira da época, marcada pelo preconceito, a corrupção e a violência. Como foi adaptá-la em consonância com os dias atuais?
A obra de Lima Barreto sempre nos serviu como um triste espelho. Um espelho que insistia em refletir para nós velhos e conhecidos problemas do Brasil e que ainda estão presentes na nossa sociedade. Infelizmente há um diálogo estreito do Brasil do autor com o Brasil de hoje. Parece um câncer que expõe a intolerância, a manutenção de uma hierarquia social, a concepção de nacionalismo e confronto entre visões de Quaresma e do que engendrou politicamente nos últimos anos em nosso país. Ao mesmo tempo, esse personagem nos faz pensar o Brasil que queremos. E isso está na construção da linguagem do texto, na concepção estética do espetáculo, na música, por exemplo. O lugar dessa inspiração, dessa adaptação é o do entremeio. Penso que a identificação de espectadores com aspectos conceituais da peça será algo bem natural.
2 - Há uma crescente demanda pelo resgate da importância de Lima Barreto na literatura brasileira. A Lilia Schwarcz afirma em seu artigo "Lima Barreto e a escrita de si" que o escritor ficcionalizava sua própria vida, independentemente do gênero. A tua formação como professor de literatura ajudou a determinar a escolha da obra?
Confesso que o lugar de professor e de pesquisador acaba se sobressaindo na escolha para trabalhar a literatura de Lima Barreto no teatro. O autor se espalha indiscutivelmente em suas obras. Porém o objetivo não é o de encarná-lo, mas de trazer, principalmente, a personagem Quaresma.
3 - O espetáculo traz referências de outros textos de Barreto em uma costura narrativa com publicações atuais. Como você descreveria a proposta cênica desenvolvida para a concepção do personagem Quaresma?
Primeiro, a direção de Quiercles Santana é aberta, sugestiva e processual. Esses aspectos me motivaram a compartilhar crônicas, outros romances e escritos de Lima Barreto e de autores em consonância com o universo barretiano. Então, será fácil reconhecer um texto composto de lampejos do pensamento de Darcy Ribeiro, Aílton Krenak, Márcia Tiburi entre outros. Quaresma é um caleidoscópio, uma sala de espelho de Leonardo da Vinci, o quarto Arles de Van Gogh, a música de Vila-Lobos, ou seja, é um personagem que foi alimentado intensamente por mim, por Quiercles, e, sobretudo, por Lima Barreto.
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Fotos: Gisele Carvallo |
4 - A produção teatral pernambucana enfrenta uma das piores crises enfrentadas nos últimos anos. A ausência de salas e de políticas públicas de fomento para o setor contribuíram para o esfacelamento da produção local. O que você vislumbra como mudança para este cenário?
Hoje, há aspectos que remontam a década de 90 sem editais, com artistas recorrendo às mais diversas formas para manter sua arte viva e para sobreviver. As dezenas de monólogos sendo montados revela uma ideia de autonomia, liberdade, no entanto, expõe o aspecto econômico que ainda enfrentamos de políticas sazonais de secretarias e ministérios de cultura nos últimos anos. Tenho esperanças de tempos melhores na esfera federal, porém há demandas que são de responsabilidades de cunho estadual e municipal. E são urgentes! Artistas precisam ser escutados verdadeiramente. E os equipamentos culturais não podem estar a serviço apenas de um grupo ou pessoas. Os equipamentos são públicos e artistas, técnicos não podem ser punidos constantemente por administrações unilaterais e provincianas que fecham teatros para festivais que não ocorrem enquanto se busca espaço para, por exemplo, ensaiar. O Recentro, por exemplo, poderia pensar de modo efetivo o uso de prédios e a recuperação deles para a pauta de ensaio. E os teatros precisam urgentemente de reforma e de serem reequipados.
Infelizmente, não há uma política pública de cultura e isso é o que mais pesa. Não se pensa no todo, na engrenagem que faz arte chegar ao público. É triste ver que experiências significativas se perderam no tempo ou que são ignoradas por novos governos, gestores. Mas sigo esperançoso.
SERVIÇO
Quaresma
Atuação e texto adaptado por Alexsandro Souto Maior
Direção: Quiercles Santana
Trilha: Kleber Santana
Luz: Luciana Raposo
Onde: Teatro Apolo, Recife
Quando: 01 e 02 de julho
Ingressos: clique aqui