por Moacyr Godoy Moreira __
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Havia uma sabedoria na composição dos sabores que só vi nos confeiteiros mais sofisticados do Cordon Bleu, quando tive a oportunidade de estudar com eles em Paris, por três anos. Mesmo assim, não aprendi com os mestres nada melhor do que minha avó fazia para as crianças num piscar de olhos, invariavelmente com uma pitada de qualquer coisa que superava em muito os experts. Nunca experimentei nada igual.
Vovó segurou em minha mão com uma firmeza que me surpreendeu, pela aparência esquálida que demonstrava há alguns meses.
— Querida — ela disse, os olhos brilhando com alegria — seu avô era uma pessoa doente. Torturou sua mãe e seus tios com requintes de crueldade. Sua mãe, coitadinha, foi vítima de tudo isso.
Entendi que nunca tinha visto mamãe como vítima, sempre como uma impiedosa tirana.
Chorei muito, aos soluços até ir serenando, vovó segurando minha mão, com a mesma firmeza atemporal. Quando consegui respirar com mais tranquilidade, dona Salete quis saber:
— Aurora, Duda e Giovanna são felizes?
A pergunta me espantou. Refleti brevemente e respondi:
— Acho que são sim, vó.
- Viu?! — ela disse — Mesmo com a intolerância do seu avô e as mazelas sofridas nas mãos da sua mãe, você é uma mãe linda e amorosa.
Minhas meninas: meus três corações rosados, concluí.
Vovó deu o último suspiro e sorriu, abençoando as bisnetas, libertas da triste maldição familiar.
* Texto extraído do livro “Luzes da natureza”, que será publicado em breve pela editora Paraquedas)