Carta Aberta, crônica de Yvonne Miller

 por Yvonne Miller__




                                                                                                                                                           

                                                               
Fortaleza, agosto de 2023

 

Oi!


Pode parecer estranho, mas resolvi lhe escrever esta carta. Quem sabe, chega até você. Dizem que os textos encontram seus leitores. Então... Você foi uma das primeiras pessoas que conheci depois da mudança para Fortaleza, este ano em abril. Se é que dá pra falar em “conhecer” quando a gente nem sabe o nome uma da outra. Só sei o nome da Penélope – Pené para os íntimos, Pê para você. Suponho que posso me considerar íntima da Pené, não acha? Ela sempre abanava o rabo pra mim, vinha cheirar minha mão e, de passagem, ganhava um carinho na cabeça. Tão bonitinha ela.


Vocês sempre já estavam lá quando eu chegava com Chico. Então a gente trocava um oi enquanto nossos cachorros trocavam uns cheiros, até que o olho do Chico caía na bolinha colorida da Pené. E aí, já era. Ele passava a ignorar a coleguinha do parcão, toda a atenção virada pro brinquedo. Chico tem fixação por bola; principalmente se não for dele. Já lhe falei que ele furou umas nove bolas lá em Pernambuco? Pené, por sua parte, não se incomodava com tamanha falta de educação do amigo; você dizia que se dava por feliz podendo observar a felicidade alheia. Bonitinha demais.


Assim conviviam e convivíamos uns vinte a trinta minutos diários, por quase três meses, todas as tardes, de segunda a sexta no parcão. Chico correndo bobamente atrás da bola, e Pené sentada no banquinho, ao seu lado, de cujo nome simplesmente não posso lembrar-me. E não poderia, por mais que eu tentasse, porque durante esses três meses nunca sequer me ocorreu de lhe perguntar.


Vez ou outra você tentava instigar a Pené:

— Vai brincar com Chico, Pê.

E eu:

— Chico, deixa ela brincar também, hômi!

Mas o rolê deles era esse.


Enquanto Chico pulava atrás da bola e Pené o observava, você me contava as últimas fofocas do parcão: o Bentinho fez aniversário no sábado – lotou, viu! Teve até bolo de ração com cenoura e todos os cãovidados levaram lembrancinhas pra casa. Não tô gostando do adestrador do Bruce, é muito bruto com o bichinho. Tu nem sabe! Ontem foi mó B.O. aqui. Lembra daquele chihuahua chatinho? Acredita que resolveu se pendurar no pescoço de uma Golden gigante? Pois é, a tutora da Golden tentou separar e levou uma mordida na mão que ficou sangrando horrores. E a do chihuahua nem se mexeu, disse que é assim mesmo, testando os limites, vê se pode!


Mas tem mês e meio que não vejo vocês. Já tentei outros horários, sempre com a esperança de encontrá-las sentadas no banquinho, lado a lado, dispostas a emprestar a bola a quem quiser brincar. Mas toda vez me reparo com o espaço vazio – ou então lotado de outros cachorros e seus tutores. Às vezes, nem entramos. Passamos direto para voltar mais tarde, quem sabe teremos mais sorte depois; mas não, nada de vocês. Nunca mais nada de vocês.


Primeiro pensei que fossem as férias. Julho, né? Você deve ser professora, por certo viajaram. Não sei nem o seu nome, avalia sua profissão ou planos de viagem, mas foi essa a explicação que encontrei para a sua ausência. E, durante quatro semanas, parecia fazer sentido. Só que agora o mês já virou, as aulas voltaram, e ainda nada de vocês. Terão mudado de bairro? Haverá acontecido alguma coisa? Será que estão bem?


Tutora da Pené, se esta carta chegar até você, manda um sinal de vida! Vamos marcar uma água de coco, que quero saber das férias de vocês. Viajaram, não foi?


A propósito: prazer, meu nome é Yvonne, e o seu?


 

Abraços,

a tutora do Chico

 

Yvonne Miller (*1985) é natural de Berlim, mas prefere o calor do Nordeste brasileiro, onde mora desde 2017 com sua esposa, enteada, gato e cachorro. Alemã de nascença, brasileira de alma, apaixonada pela crônica, linguista, admiradora de cactos, geminiana e muitas coisas mais. Também colunista da revista Mirada, com crônicas e contos publicados em várias antologias, e uma das organizadoras e coautoras da coletânea de contos “Quando a maré encher” (Mirada, 2021). “Deus Criou Primeiro um Tatu – Crônicas da Mata” (Aboio, 2023) é o melhor que ela já escreveu.