Carta para a tua ausência, crônica de Argentina Castro

por Argentina Castro__


Foto: Argentina Castro


Não, não é a idade e nem os cabelos brancos que dizem que somos experts na arte de amar.

O amor é uma arte, um caminho nem sempre leve e sutil,  um projeto prático e do campo do sensível. São muitas nuances, cores densas e fortes numa paleta de cores que quer ser azul cor de céu, mas nem sempre consegue. Mas o amor é uma força, uma energia nem sempre compreensível para quem sente. Às vezes é uma força tão grande, tão medonha, que arrebenta a gente por dentro, torna tudo dolorido e cor de sangue a depender do contexto da situação amorosa. O amor é uma escolha e, aos envolvidos, cabe o respeito, a paciência com os processos e o tempo de cada um. 

Nunca aprendi a ser paciente e tive, por conta do amor que dói, que dar de cara com meus demônios e desvelos e, às vezes, gente como eu de intensidade abissal, só se dar conta de que infringiu regras do bom senso e do bem viver, das relações, depois que sai do meio do olho do furacão. Gente como eu, na dor de achar que está sendo ferida, quer ferir, mas quer ferir com palavras levianas que machucam. Sêneca diz que “não podemos controlar o mar, mas podemos comandar o nosso barco”. Perdi o comando do meu barco e, ainda, quis comandar o barco dos outros, o seu. Nos desgastamos na minha tentativa insana de tentar controlar o que não se controla, como o outro sente e faz as coisas, no seu jeito, no seu tempo e como pode fazer.  Larguei meu barco em águas turvas, repetitivas e, como uma  descida violenta de uma cachoeira, caímos e nos ferimos.  

Às vezes o amor chega quando não é para chegar, quando nem você e nem o outro, estão devidamente preparados para dar e receber, o que se quer e se precisa dar e receber. O amor perpassa por todas as outras relações e, principalmente, as familiares. Todos nós temos nossas famílias perfeitas ou imperfeitas,  que amamos, que investimos e que queremos que fique tudo bem, sempre. Sempre amei dentro e no meio de um mundo de problemas familiares: sobrinhos, irmãos, mãe, doenças físicas e emocionais, cansaço de trabalhos prolongados, um atrás do outro e sem férias no meio, traumas de relações passadas, carência, baixa autoestima. Ai, quando menos se espera, no meio da exaustão física, emocional e psicológica, o amor chegou para mim  como luz leve, como sombra e água fresca, como um pôr de sol à beira-mar, como vento frio de serra em névoa e aquele sentimento de aconchego de, finalmente, chegar em casa e ter algo bom e belo para pensar, imaginar, desejar, sentir e ouvir tua voz cantando. “ eu pensei, que a minha vida fosse ficar num lugar…”. O amor é essa dose boa de vida, de ar enchendo os pulmões cansados. Mas também pode acontecer do amor ser nutrido dos arroubos da paixão, da impaciência na espera, da ansiedade do encontro, do olho no olho, do toque, do cheiro, do abraço, da saudade, da voz ali pertinho de você, do cheiro bom da boca e de todos os líquidos do outro que a gente quer que seja nosso, só nosso e, para sempre. Um amor romântico como bem lê o leitor. É desse que estou falando e, foi esse que aprendi e não consigo aprender o amor de outra forma e, em outro formato.  Esse tipo de amor que dói foi o que aprendi. Amor nem é para doer, amor é para viver a sua plenitude e paleta de cores, seus acordes, suas notas musicais, suas composições que surgem assim, num relance de pensamento e sentimento, que quer existir e se consolidar. No entanto, nem sempre é possível. E quando não é possível, o sentimento de frustração é desola-DOR. Meu Deuuss do céu, não há coisa pior do que ter que encarar os fatos todos que você tentou, por meses, colocar debaixo do tapete e viver na ilusão para se suspender, tirar os pés do chão da realidade feroz. “Ser coerente é melhor do que ser ofensiva”. Como me sinto em relação a quem eu sou, quando reajo dessa forma, de maneira ofensiva, como me sinto, como o outro se sente? Eu me sinto um lixo, o lixo dos lixos. E só quem já se sentiu assim na vida pode compreender o que estou falando. A coerência é uma atitude iluminadora e apaziguadora. E tudo passa por uma ética amorosa. Um desafio enorme, eu sei, quando se está num bolo doido emocional de desejo, de saudade e de silêncios. O que posso fazer por você (?) deveria ser a pergunta mais amorosa em direção ao outro que também sofre. E seu comportamento, a partir da resposta a essa pergunta, deveria ser dado milimetricamente conforme com o que o outro está pedindo. É tempo que o outro quer? Dê o tempo que o outro quer nem que você se morda de saudade e de vontade de ouvir a voz e de estar perto, mas não passe por cima. E tudo vai virando uma bola de neve, muitas vezes sem precedentes, dentro de você e do outro. Pior é digerir o frio, senti-lo passando na sua espinha dorsal, preenchendo as veias do seu coração, saindo na garganta com gosto amargo, te fazer correr para o banheiro e vomitar o gelo, o frio queimando, a febre. Mas bem pior que tudo isso, que é físico e emocional, é perder para sempre a amizade, o respeito e o afeto de quem, desde que você pôs os olhos, nunca mais se imaginou com essa pessoa que não fosse por perto e por dentro. 

É, o amor é uma arte cheia de nuances, caminhos, veredas, labirintos que não domino e nunca encontro a saída que pode me levar para o paraíso. O amor é uma arte e me perco nas texturas, na sua estética, na sua ética, nos traços, nos textos, formato, linguagem. Vou como uma embriagada,  sem limites, sem razão e sem consciência  por dentro e por fora, me dando e pedindo. Uma humilhação sem fim. Até que o outro tranque a porta e, ainda assim, estarei lá. Mas todas às vezes que terminei relações, ainda estava lá, ajudando o outro a ir da melhor forma possível  e com o mínimo de dor, mesmo quando ele errou comigo. Ter que ir quando se quer ficar,  é dos infernos, o pior! Às vezes o outro está com a gente de maneira diferente, com um modus operandi diferente do nosso e entendemos como indiferença, mas não é. É a forma que ele encontrou, dentro do seu possível, de amenizar as dores. Que merda quando isso não é o suficiente para você. O suficiente para você é que o amor fique, seja de que forma for, porque é a sua dor que você quer dar conta. E aí você o chama de egoísta quando é você que está sendo e, a outra parte já deixou tudo tão claro, mas você não está vendo porque a paixão tem muitos pontos cegos. Muitos e incontáveis pontos cegos. A paixão é penumbra, meia luz… Que horror! Já o amor, o amor é luz. Encontrar o justo equilíbrio de visão sobre o todo, sobre essa soma de sentimentos dentro de você, mas não focar somente em você, e se alertar para os sinais, os sentidos e sentimentos do outro em relação ao todo que o comporta, é um desafio de amor, a arte do amor e de amar. O outro importa e muito!. Além do que você sente, do seu desejo, o ser amado merece e precisa do seu respeito, sua generosidade, sua humildade, sua amizade. Eu não soube dar conta disso quando você não quis ficar. 

Essa é mais uma carta para tua ausência, meu bem. A última.  Mas não é uma carta de amor ridícula como as demais. Essa é uma carta, pedido de perdão e de desculpas por todas às vezes que não te ouvi, não quis entender e não aceitei que há em sua vida, amores maiores e mais importantes que o meu. E eles são lindos meu amor, eles são lindos!  Eles são lindos e precisam mais de você do que eu. E você precisa deles e não de mim. Me perdoe por demorar a aceitar e fazer da gente, do pouco que tínhamos, uma nota musical triste e magoada. Paciência é uma das virtudes mais importantes para o ser humano e é o que mais tem me faltado na vida. E sem paciência não se tem paz. E ela é um “estado de compreensão com espírito de serviço”, diz a doutrina espírita. É a paciência que nos ajuda a aceitar (aceitação!) as dificuldades da vida com o dever de cooperar para que as dificuldades desapareçam. “Se te encontras à frente de provações inevitáveis, aceita-a por amor a ti mesmo” (espírito de Emmanuel). Eu devia ter lido isso, antes de todas as tentativas frustradas. 

E pago o preço, agora, por não colocar em prática aquilo que leio e escuto que podem engrandecer meu espírito. Espero que um dia você possa me perdoar e compreender meus descaminhos rumo ao seu coração. Te levo aqui dentro, daqui para frente, com meu silêncio de fundo de mar, um silêncio abissal e que nunca te apresentei, mas é irmão do teu. No entanto, meu amor, as chaves do meu coração, seguem contigo. As chaves do meu coração, seguem contigo! A vida precisa seguir e, vai seguir. E eu seguirei como um barco à espera de tuas mãos para me navegar. O tempo vai passar e vou te esperar. Quem sabe você chegue na margem, onde estou e seguirei, na nossa velhice. Quem sabe nosso amor seja um amor possível como "O Amor Nos Tempos do Cólera", de Gabriel Garcia Marques. Não acredito que alguém tenha sido capaz de criar, literariamente e cinematograficamente, um amor daqueles, se ele não for possível de existir. Não, ninguém é capaz, não é possível. Ele tem que existir e resistir, no tempo e no espaço. Tenho a alma realista-fantástica de Florentino Ariza. Um dia, quando todos nós crescermos, você vai olhar em meus olhos e beijar minha boca, dizendo: quando a gente se conheceu, você quase ficou louca e quase me enlouqueceu. 


“ Viver não dói. 

O que dói é a vida que não se vive. 

Tanto mais bela 

sonhada,

quanto mais triste 

perdida”  -

 Emílio Moura-



"La Despedida" - Trilha Sonora do filme "O amor nos Tempos do Cólera" - Shakira


No hay más vida, 

no hay No hay más vida, 

no hay No hay más lluvia,

 no hay No hay más brisa, 

no hay No hay más risa, 

no hay No hay más llanto,

 no hay No hay más miedo, 

no hay No hay más canto, no hay 

Llévame, donde estés, Llévame 

Cuando alguien se va, el que se queda sufre más sufre más 

No hay más sueño, no hay 

No hay más tiempo, 

no hay No hay más miedo, 

no hay No hay más fuego, 

no hay No hay más vida, 

no hay No hay más vida, 

no hay No hay más rabia, 

no hay No hay más sueño, no hay

 Llévame donde estés, llévame

 Cuando alguien se va, el que se queda sufre más sufre más.





Argentina Castro - Mestre em Antropologia. Escritora de poemas, contos, crônicas. Articuladora e Mediadora da Papoco de Ideias. Escreveu Bomba d’água Coração (Selo Mirada, 2022), livro de contos.