Poemas do livro Índigo, de Rodolpho Saraiva

 por Rodolpho Saraiva__




                                                         
ÍNDIGO


Índigo é a cor
da palavra que se cala
por dentro

 

 

 

 

MARRÉ DECI


em dias de puro sol à sombra
o azul com blues
ao sul de melodias atlânticas
aninha anzol e linha ao horizonte

 

 

 

 

SOB A PRÓPRIA DIREÇÃO


essas folgas em dias convencionais
caminhando o contrafluxo de bermuda


pela Senhor dos Passos
ao paço
passo
como senhor de cada passo


— anunciam almoço sem balança
sem sobrepeso ou enganos:
tal o leve que me leva

 

 

 

 

CHEGO A ACHAR HERÁCLITO NATURAL


não tenho estômago para tanta coisa
se é azia ou ânsia
o antiácido virá
na mesa do Baixo
ou na ladeira do bar


é difícil lutar
com o coração
pois com alma se paga
e jamais diga “calma”


o fogo une, separa e agalma
a vida que é

o que for
agora


quem procura ouro
cava muita terra
e acha pouco


(o inesperado é inencontrável
e inviável)


então busco a mim mesmo
neste Rio que nunca é o mesmo
ainda que meu riso não esteja a esmo

 

assim tudo flui
jamais
ao encontro
que mataria
esta alegria
de buscar



TANTA COISA NÃO SE SABE DIZER


confesso
este delito
tanto por dito
ou não
a tal ponto que
interdito


e oiço
o silêncio inaudito
em sussurro mal dito
a me dizer

 

 

LACANIANO


toda fala é
uma demanda,
uma petição
de amor
que é
dar a falta
a quem não a quer
a quem nem se quer
pois o querer é causa só
a devorar a própria fome
e continuar querendo
enquanto
mero anseio rarefeito
de ser
amado

 

 

 

DESAPEGO NA OLX


o caso é ocaso do acaso
se não me caso
por acaso
o tempo seja render-se ao raso
sem azo nem atraso
emprazo
esse átimo de me perder

 

 





Rodolpho Saraiva - Nasceu em Teresópolis (RJ). Começou a escrever os primeiros poemas em 2003, publicando-os no blog http://rodolphosaraiva-poesia.blogspot.com/, onde até hoje expõe seu processo criativo. Em 2012, publicou seu primeiro livro, "Sobre todos (os) nós", pela editora Multifoco. Em 2014, integrou a antologia Plástico Bolha, pela editora Organograma. Em 2017, participou da exposição "Poesia Agora", na Caixa Cultural, no Rio de Janeiro. Em 2020, publica seu segundo livro pela Editora Multifoco, "Entretanto". Em 2023, publica o terceiro, pela mesma editora, com título "Índigo", que remete ao forte tom de azul e também significa expansão, intuição e consciência. Com essa tonalidade e inspiração, esse livro, desdobramento do escarlate de "Entretanto", apresenta uma sequência de poemas e crônicas poéticas brotadas durante e logo após um período de vivências e transformações coletivas, fortemente marcado pela pandemia, abordando questões existenciais sob a lente sensível da poesia. Os escritos estão organizados em sequência dialética, atravessando sete grupos temáticos essenciais: "o mar índigo", "o espaço índigo", "o tempo índigo", "o dolor índigo", "o eu índigo", "a casa índigo" e "o amor índigo".