Dois poemas de Vitória Gabriela

 por Vitória Gabriela__




                                                      
Estonteco



toc toc é o som que a criança faz nascer da porta

ela está impaciente com seu telefone rosa

(o chiado é irreparável e infindável)

o que virá é resumido em ser eco 

do que há muito tempo aconteceu

ela não esperava que a porta se abriria

(a criança nunca espera nada e na mesma intensidade

não sabe o que é possuir uma esperança rasa)

ela não saberia que tudo que veria

quando a porta se abrisse

seriam tantos corpos de sais

tantos pelo cruel olhar-para-trás.


o tique-taque do relógio 

faz o ano do RG ser levado para longe

não querer soltá-lo não o trará para ser parte do atual

(AS RAÍZES NÃO SÃO MOVÍVEIS. NÃO IMPORTA O QUANTO DOA PARA O GALHO TER SE QUE DOBRAR PARA VIVER E TENTANDO VIVER, TENTAR NÃO MORRER)

ninguém escolhe quando vem

tudo bem

[repetimos

tudo-bem

mais como promessa do que afirmação


é bom que pelo menos exista essa noção.


não era minha intenção

me perder nos ponteiros

não era minha intenção

não reparar nos olheiros


os fusos me matam me roubam momentos

estou mais velha a cada dia

e muito pouco talvez mais sábia

mas cada vez mais crente na sinceridade presente

no: quem diria?




Axioma



disseram que a TV sangra ao ligar

mas que é importante saber porquê

e a verdade? 

a individualidade incompreendida dos felinos domésticos

esbanjando sinceridade

sendo ignorada e menosprezada

e o fácil, existe?

e o presente, em gente? que é um menino no mato

constantemente assustado e maravilhado


descobri os vínculos dos selecionados no mercado 

com os selecionadores

senti a impotência vazia explodindo

dos bueiros nas ruas

e me fazendo nadar por essas avenidas

ao invés de andar

e eu que sempre preferi o negar

me toquei que é difícil desinchar o não da garganta enrugada

com a água de excremento

que me fizeram aprender a lidar


essa noite me assustei no sonho

algum rosto veio pelo canto

e eu acordei com meu grito contra o travesseiro;

pela manhã,

me perguntei se era o famoso terror noturno

ou só os sonhos se tornando familiares a realidade.

“sou uma espantada com as coisas espantosas 

que acontecem neste mundo de espantos.” – Lúcia de Almeida.






Vitória Gabriela
 (2002) é autora de Por osmose (Ed.fomento literário, 2022), cronista, colunista na Escritor brasileiro, possui material disponibilizado on-line independentemente e também em diversas revistas e cias. Facilmente encontrada 'escrevendo em traços @vivoserispidos (Instagram) de pintura'.
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