por Adriano Espíndola Santos__
Carlos chegou com um "presentinho", e nem era data comemorativa: nada. Achei super estranho, ele nunca foi disso, de surpresas e dengos. Teria aprontado?, raciocinei no ato. Não perguntei, para não gerar uma confusão. Do jeito que ele é esquentadinho, tomaria o presente de volta e mandaria esquecer aquilo. Mas a pulga ficou atrás da orelha. Logo ele me pediu para abri-lo, e, desinteressada, fingi que tinha adorado o porta-joias. O inusitado, inclusive, é que não gosto de joias. Para variar, Carlos não teve o cuidado de comprar o que gosto/preciso? Como sempre perco as bijuterias, talvez ele tenha pensado nisso. Contudo, perco porque não dou importância; são descartáveis para mim, já me convenci. Depois do grande feito, Carlos foi faceiro ao banheiro. Era meio-dia, e, como de costume, ele iria tomar banho e vir à mesa para almoçar. A tragédia é que ele anda colado ao celular. Fiquei furiosa quando lembrei. Em passos curtos, fui ao quarto e peguei a sua blusa para ver se tinha algum cheiro diferente; o cigarro apaga até os ínfimos vestígios. João Vitor voltou do colégio com a Maria, e correu para me abraçar. Não demorou a ficar gritando pedindo a atenção do pai. O banho, ao contrário do almoço, é um ato sagrado para Carlos; ele se irrita se o incomodar. Para João Vitor, "uma criancinha", ele abre exceção. "Filho, estou saindo... Se esconde, senão vou te esmagar de tanto apertar". João Vitor foi ao seu quarto e entrou no esconderijo de sempre, o guarda-roupa. O menino espera, ingênuo, que o pai o ache. Carlos saiu do infindável banho e foi à procura do menino pela casa, como se não soubesse do tal esconderijo. Aproveitei para pegar o celular. Por sorte, Carlos não havia mudado a senha. Entrei logo no WhatsApp. Havia um monte de mensagens não lidas. Numa delas, Frederico, o "Fredão", seu amigo do trabalho, perguntava se eu teria gostado do presente. Como ele sabia? Bem, constatei que o presente, na verdade, era de Frederico; que teria comprado errado, um modelo brega que a sua mulher não gostava – por que eu iria gostar daquilo? –, e simplesmente "descartou" nas mãos do amigo. Corri para acompanhar as peripécias das crianças, cheguei no ouvidinho do Carlos, quase sussurrando, e mandei ele pegar o presentinho e enfiar bem no meio do olho do cu. Dessa vez, deve ter entendido o significado de presente. Desconcertado, lembrou-se, de súbito, que teria uma reunião "importantíssima". Não olhou nos meus olhos. Fez cócegas no filho, engabelando, e vazou para o breu infinito. Só Deus sabe que horas vai voltar e com que desculpas. Que seja com flores, no mínimo.
Adriano Espíndola Santos é natural de Fortaleza, Ceará. Em 2018 lançou seu primeiro livro, o romance “Flor no caos”, pela Desconcertos Editora; em 2020 os livros de contos, “Contículos de dores refratárias” e “o ano em que tudo começou”, e em 2021 o romance “Em mim, a clausura e o motim”, estes pela Editora Penalux. Colabora mensalmente com as Revistas Mirada, Samizdat e Vício Velho. Tem textos publicados em revistas literárias nacionais e internacionais. É advogado civilista-humanista, desejoso de conseguir evoluir – sempre. Mestre em Direito. Especialista em Escrita Literária e em Revisão de Textos. Membro do Coletivo de Escritoras e Escritores Delirantes. É dor e amor; e o que puder ser para se sentir vivo: o coração inquieto. instagram:@adrianoespindolasantos | Facebok:adriano.espindola.3 email: adrianoespindolasantos@gmail.com