por calí boreaz __
fevereiro começou e eu ainda não. há uma lentidão kunderiana a bombear-me o peito e os passos por mais que acelere as palavras e as pedaladas. parece transe, mas esta é a transa mais bonita que já se viu com as chuvas. sim, está um calor de erupção e chove ao deus-dará neste rio de janeiro e fevereiro. tudo jorra com demora. estou toda do avesso, o dentro pra fora, o fora pra dentro, de tal maneira que, se parasses para reparar, verias o silêncio brilhando em neon; tu verias. eu verão
. . .
[arqueologia cardioide]
percorro persistente uma palavra procurando o seu interruptor
exploro ofegante uma palavra procurando uma corrente de ar
creio desenfreada chegar ao fim de uma palavra e procuro um parapeito para me lançar
quando, repente, atino que a palavra já foi embora das letras
e o interruptor
a corrente de ar
e o parapeito
são artifícios cumprindo seu horário de funcionamento numa
casa-fantasma da disneyland
enquanto isso, no dicionário
relíquia: o que sobra, resto, resíduo a que se atribui um valor
. . .
por dentro dos olhos exercito a visão de uma flor num cacto.
de uma flor de cor amarela: um mínimo sol na noite máxima de cada segundo que passa.
e ao segundo que não passa, esse que está parado sobre a arrebentação da onda, respondo-lhe, como quem espaça:
a resposta pode vir de outro lugar
. . .
é que lembra:
toda a varanda quer ser um navio.
mas navio que parte e não se aparta parte-se, aperta-se a pertença,
aporta-se a pretensa parte — a porta se abre
[rangem todos os silêncios junto de todos os nomes do mundo]
e então,
ao sossego que mora na orla das ruínas foi perguntado: qual é
a velocidade da escuridão?
. . .
a solidão de um carrinho de pipoca e a solidão do homem do carrinho de pipoca e a solidão de quem passa e observa a solidão que fica. a solidão da cidade que se observa do exílio, e hesita. a solidão do silêncio que exila a palavra e mede as distâncias. a solidão da palavra que, de sua vez, aguarda o movimento da boca e mede o cansaço. a solidão dos becos e das avenidas que é a mesma ao acender das janelas. a solidão do poste de luz entre outros postes de luz. a solidão da luz que se acende no olho de alguém para iluminar outralguém. e a solidão de cada cor dentro do semáforo. a solidão de cada amor dentro. a solidão de um automóvel, entre outros automóveis, parado num semáforo. a solidão da roda — a do automóvel, a do carrinho de pipoca — que é potência de movimento mas, também, de inércia: quanto mais ela gira, menos sabe que gira.
a solidão de um planeta girando sobre si mesmo.
a solidão parece ser uma só. estar nela é o que, enfim, nos une:
eu sou o exílio do outro mais o meu exílio no outro. eu só
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