por Fátima Militão__
Conceição Rodrigues tem um sentido a mais, escuta as vozes de mortos e desvalidos, lê pensamentos indizíveis e enxerga o lado obscuro da alma humana. Parece não inventar nada, ela escreve o que capta em seu radar. É assim que ela flagra psicopatas roubando olhos e dentes de ouro de cadáveres no IML, durante a aula de embalsamento. É assim que testemunha o desespero e sofrimento dos que não correspondem ao esperado, a via crucis de uma jovem e seu amor tão delicado, esmagado por botas nos porões dos anos de chumbo.
Até o diabo se confessa e toma antidepressivos em posição fetal. É o olho na brecha do mundo, o olho que vê quando acham que ninguém está vendo. Porém, o olhar é indireto, pelas beiras, enviesado, um olhar que evita o peso do todo para tornar leve a narrativa. Mas por que escrever sobre esses personagens? Parece que não foi uma opção, e sim uma necessidade e a narrativa é solta e fácil de ler, apesar dos temas duros.
Poucas vezes vi um título tão forte, tão desesperado. Personagens que ignoram os interditos e os tabus, entregando-se à dissolução, talvez em busca de sentido, que só a compaixão do leitor dará. São homens e mulheres tentando preencher o vazio da vida e da insatisfação, com a dor e a morte. Afinal, se o orgasmo é a “petite mort”, a morte é o grande orgasmo. Mas, quem disse que finais infelizes não podem ser belos?
Fátima Militão - é médica, professora aposentada do departamento de Clínica Médica da UFPE e Pesquisadora da Fiocruz-PE. É membro da Academia Pernambucana de Medicina e da Academia Pernambucana de Ciências. Começou a participar de oficinas literárias em 2015 e a publicar contos em coletâneas. Publicou o livro de contos Alto risco, em 2021, e, pela Confraria do Vento, a novela Cantos da casa. Recebeu Menção Honrosa no concurso literário da Universidade Federal do Espírito Santo, na categoria “contos”, com o livro, Basta soprar meu nome, a ser publicado pela Confraria do Vento.