por Manoel Tavares Rodrigues-Leal__
Manoel Tavares Rodrigues -Leal e esposa
I
Uma onda de frio progride.
Se propaga aos parágrafos de uma ébria paisagem.
Do fruto o fugaz desenho da madrugada. E a suspensa e mítica manhã acesa
da infância acorda.
Em que breve me embrenho. Oh aguarda
a dissolução do sol os espelhos da casa o soberano metal dos corpos consentidos
oh a clara escultura da luz. Que perfil senão meu ausente?
Lx. 5-1-73 […] Setúbal – 10-6-73
II
Aqui a água é lisa. Navega-
-a esvelto navio. As ondas
desenham o pólen da hera
e sua heráldica escultura. Redonda,
as ondas formam o reino efémero do mar e acordam sua antiga promessa.
Lx. 6-8-73
III
(Escassos são os longos dedos de água da morte)
Escassos são os longos dedos de água da morte
os perversos versos do verbo inicial,
os ângulos irregulares ou rasos de pranto…
s/data (1973? – 1975?)
IV
Ó deuses, a minha idade o dita:
que fulgor perverso alimentou os frutos pagãos e fugazes da minha juventude
para eu adoecer em vós, mortalmente ferido
por vossas sábias setas.
E minha inocência em vós, ó deuses, se inscreveu e aos céus ascendeu.
L. 4-12-75
V
revisitada, maria, como abdicas
das imagens mais antigas.
Julho 78
VI
(O púbis do Verão consente)
O púbis do Verão consente
que o rumor da memória releia
teu rosto inocente. O lindo púbis,
mansa imagem, agonia suprema,
brilhava, nu brilhava, onde o dardo mais rasgava.
Lx.- Julho 78
VII
O rumor da casa é antigo, mãe.
Como tu povoas seu espaço exangue. Com tua
bela mão nua, anulas o medo cego da infância.
Assim como envelheces, envelhece a casa também.
Ó mãe, como o tempo profana as águas da memória…
Lx. 6-8-78 – poema lido no vídeo inédito.
VIII
O instante exacto existe, e é água antiga.
E lugar grave. Onde nos inscrevemos. Isentos.
E diurna sede. Seda doente. Sabedoria do pensamento.
Tua boca. Na minha boca beijada por casto beijo, acorda e abdica.
Casa do Castelo [Solar de família – zona de Viseu] – 10-8-75
* Coligidos do caderno Evocação de uma Mulher em Visita por Luís de Barreiros Tavares