por Jacques Poulain__
Lucas Guimaraens, o Orfeu brasileiro ou a poesia da felicidade
Eis como Milton Nascimento nos convida a compartilhar a alegria que Lucas Guimaraens nos faz experimentar em uma sociedade dilacerada e cercada pelas chamas da morte em sua mais recente coletânea de poemas "Amarrar o corpo na lua": "A pena de Lucas Guimaraens nos leva para o delírio real, o sonho concretizado, a certeza de que outro mundo dentro de nosso próprio universo é possível. Poesia de palavras e cores. Caminhos de verdade, de abrigo, de tudo que soa, o que poderá trazer o que merecemos." A pena do emblemático compositor mineiro aqui se une de forma brilhante à do poeta. Ela não mente porque o delírio em que vive o novo Orfeu brasileiro é essa alegria que a verdade traz quando nos permite superar todas as nossas diferenças com a vida fazendo-nos participar de uma felicidade comum. Tampouco se enganou Oswald de Andrade ao escrever em seu Manifesto antropofágico que "a alegria é a prova dos nove", de que nosso encontro com a vida não sinaliza seu sucesso apenas se transmitimos aos outros e a nós mesmos as verdades que nos fazem felizes. Os poemas de alegria de Guimaraens fazem parte da cultura da felicidade com a qual Andrade tornou o Brasil famoso. Essa cultura foi fortalecida tanto em seus períodos prósperos quanto nos períodos mais sombrios, inventando-se todas as resistências culturais e artísticas urgentes. Guimaraens mobiliza todas essas resistências fazendo-nos viver o seu confronto vital com a morte através da inspiração que lhe é transmitida pelo apego do seu corpo à lua, ou seja, precisamente à felicidade. O farol do julgamento que brilha incandescente em cada um de seus poemas emite gritos de verdade que fazem esquecer todas as dores mortais que um regime paramilitar infligiu na terra da felicidade.
Porque seu encontro poético com a morte só se alimenta do diálogo com a vida protagonizado pelo filósofo humanista, intransigente e generoso que é. Ao trazer de volta todas as angústias e todas as alegrias que seu corpo sente em cada fase de suas doenças, ele as transfigura em um verdadeiro jogo de contas de vidro e assim reativa em meio ao hospital a descoberta feita por Hermann Hesse do segredo de o que é poesia para cada homem. Isso só é possível fazendo o poeta existir diante de si mesmo graças às verdades da vida que ali mobiliza e permitindo que seus leitores façam o mesmo. Ele então os faz compartilhar uma alegria que os faz esquecer toda dor e todo constrangimento. Ao transmiti-la desta forma, faz com que todos participem desta alegria no diálogo que mantém a cada momento com a morte para viver. É precisamente porque este mortífero regime paramilitar não deixou nenhuma saída àqueles que foram encarcerados na pandemia que este farol poético traz de volta os seus leitores para refazerem por sua vez a travessia indissociavelmente poética e filosófica a que Guimaraens os convida.
Porque é de fato vital hoje para quem vive no Brasil poder transfigurar em alegria as verdades que lhe permitem viver, recordamos que este poeta-filósofo nos convida a partilhar consigo, pessoalmente, em seu livro, o convite à dança que esses poemas representam para os corpos humanos. Eles dançam esses poemas compartilhando com todos aqueles cujos corpos estão ligados à lua da felicidade, as verdades e as alegrias que fazem desses poemas um novo hino ao mesmo tempo para viver plenamente sua humanidade.
Jacques Poulain, Cátedra Unesco de Filosofia da Cultura e das Instituições (1996-2020) e professor emérito da Universidade Paris 8, França