O mundo poderia amá-lo, conto de Adriano Espíndola Santos

 por Adriano Espíndola Santos__


Foto de Jr Korpa na Unsplash


Estive na casa de Alberto Sena na semana passada. Que horrível desfecho! Um homem tão bom! Lúcio diz que Alberto era bom, sim: para a mãe dele, gozando. Desde que conheço Alberto reconheci uma alma bondosa e inquieta. Trabalhamos no Nota Jornal, uma empresa de médio porte, situada no centro, por pelo menos doze anos. Recém-formada, enviei meu currículo e justamente Alberto ficou responsável pela seleção. Quando nos encontramos pela primeira vez, ele se mostrou seguro e afável; perguntou sobre as minhas afinidades, se gostava de escrever e ler; se gostava de viajar – porque teria de trabalhar inclusive em outras cidades e estados, se necessário –, e se teria tempo para horas extras. Depois, ele me disse que me contratou porque respondi sim para tudo, sem titubear. Naquele tempo, Alberto já era um senhor, de seus cinquenta anos, cabelos grisalhos, recém-separado e galante. A sua estabilidade profissional e a sua experiência – com um currículo formidável – me encantaram. Confesso que, por um tempo, fiquei apaixonada, queria ter uma chance para me aventurar em seus braços, em seu corpo. Alberto era discreto e amigo, não me dando abertura para as minhas pequenas provocações. Nos almoços, ele sempre pedia para voltar logo, porque teria algo de muito importante para resolver. Paulo Setubal, nosso chefe, reforçava o caráter e o profissionalismo de Alberto. Ele era o seu homem de confiança. Eu, Luciana e Januza estávamos, respectivamente, em segundo, terceiro e quarto escalão. Por isso, Alberto conduzia as pautas e demandava os trabalhos para as agências conveniadas. Nunca me mandou para Juazeiro, por exemplo, porque era muito longe, e Januza era capaz de fazer o trabalho. Ele me poupava. Será que pensava que eu poderia ser sua filha? Será que tinha um afeto romântico? Nunca soube. Agora, muito menos: jamais saberei. Alberto ainda movimenta os olhos. Que triste. Acamado e paralisado do pescoço para baixo. Estava com ELA, uma doença degenerativa, e não sabia. Com o tempo, pela negligência, foi se agravando rapidamente. Lúcio, meu marido, tem um ciúme assombroso; quer me acompanhar nas visitações, e eu o repreendo: não tem nada que ver com isso. Parece até que gostou do fato de Alberto estar paralisado. Tenho planos de ficar um tempo com Alberto, prestando todos os cuidados de que necessita e merece. Se Lúcio pedir as contas, é problema dele. Alberto me inspira hoje os melhores sentimentos, o amor, o carinho, por tudo que fez para mim. Se estou numa grande empresa, agradeço por sua imensurável paciência em me ensinar os meandros do jornalismo. Sim, amamo-nos, eu sei. Na última vez que fui visitá-lo, Lorena, sua irmã, disse que ele chorou quando saí. Na próxima, a minha intenção é de ir para ficar, e só Deus saberá o tempo necessário. Tenho ainda de revisar o seu livro, que deveria ser publicado e ficou de banda quando ele adoeceu. O mundo precisa conhecer o talento desse homem das letras. O mundo poderia amá-lo, se o conhecesse; farei a minha parte, tanto quanto possível. A isso me comprometo.




Adriano Espíndola Santos é natural de Fortaleza, Ceará. Em 2018 lançou seu primeiro livro, o romance “Flor no caos”, pela Desconcertos Editora; em 2020 os livros de contos, “Contículos de dores refratárias” e “o ano em que tudo começou”, e em 2021 o romance “Em mim, a clausura e o motim”, estes pela Editora Penalux. Colabora mensalmente com as Revistas Mirada, Samizdat e Vício Velho. Tem textos publicados em revistas literárias nacionais e internacionais. É advogado civilista-humanista, desejoso de conseguir evoluir – sempre. Mestre em Direito. Especialista em Escrita Literária e em Revisão de Textos. Membro do Coletivo de Escritoras e Escritores Delirantes. É dor e amor; e o que puder ser para se sentir vivo: o coração inquieto. instagram: @adrianoespindolasantos | Facebok:adriano.espindola.3 email: adrianoespindolasantos@gmail.com