por Carlos Monteiro__
Os Mariaccas, o comunista e o Titanic
Era uma vez, em terras muito distantes, muito abaixo de linhas imaginárias do pecado, da luxúria, da mentira e da ira, um país ensolarado e tropical chamado Amíanucam.
Lá viviam aborígines que precisavam ser expulsos ou exterminados, pois contaminavam a todos com seus banhos diários, preservação da natureza, respeito ao próximo e à diversidade. Falavam tupiniquim arcaico, andavam com suas vergonhas à mostra e se alimentavam com o que a natureza lhes proporcionava. A terra era fértil, “se plantar tudo dará”, dizia o marceneiro construtor de catres para bonecas. Era sincero, pero no mucho; se vais atrás descobres que tinha outras intenções. Imaginava que, junto ao rei, poderia arranjar um cabide barnabé para seu querido cunhado. Coisas ditas em cartas trocadas.
O tempo foi passando e o feudo crescendo, se agigantando. Chamava atenção de outros povos que, até, tentaram disputá-lo na porrada e na purinha, jogo recreativo muito difundido naqueles tempos em que a maior e mais elaborada jogada era conhecida como “gambito de la lona”
Nessas terras havia também um menestrel-profeta conhecido como Sindicus Victorium Timtus Maia. Profetizou a seriedade com que se tratavam os assuntos reais e da dedicação dos trabalhadores e munícipes. Numa de suas mais famosas premonições auspiciou: “Em Amíanucam todas as moças de vida difícil terão sensações orgasmáticas, seus tutores se inquietarão diante de tanta beleza das suas pupilas, os taberneiros beberão de seu próprio veneno e os plebeus, serão acometidos de delírios burgo-fascistas e apoiarão Sua Majestade El Rei”. Era Nostradamus em sua versão nacional.
Um dia, apareceu um príncipe, saído de uma caverna que se mantinha protegida por uma fogueira perene, mistura de lava, lume e flama. Se chamava Fusca Downkilling. Em seu cavalo apocalíptico, anunciou para as seis freguesias que Amíanucam era um paraíso utópico onde não havia racismo. Sem pandemias - por isso festas, ruas e avenidas viviam apinhadas de gente -, as lindas e lânguidas praias que, banhavam seu litoral, estavam sempre lotadas.
Era uma terra sem misoginia, onde mulheres tinham a mesma remuneração e jornada que os homens e eram tratadas de igual para igual. Sem mentiras, falsidade nos comunicados, também chamados de “falsum nuntium”. Corrupção? Não fazia parte do dicionário, nenhum de seus habitantes, sequer sabia do que se tratava, pois ele com seu canivete de escoteiro mágico, havia aniquilado essa praga para sempre. Costumava se vangloriar de seu ‘physique du rôle’, como proteção divina para qualquer mal pandêmico. Se sentia tão forte e poderoso que se recusava a usar um artefato protetor conhecido como ‘máscara’.
(continua...)
Carlos Monteiro é fotógrafo, cronista e publicitário desde 1975, tendo trabalhado em alguns dos principais veículos nacionais. Atualmente escreve ‘Fotocrônicas’, misto de ensaio fotográfico e crônicas do cotidiano e vem realizando resenhas fotográficas do efêmero das cidades. Atua como freelancer para diversos veículos nacionais. Tem três fotolivros retratando a Cidade Maravilhosa.