por Ariel Montes Lima__
A hybris DO AMOR E A AMBIGUIDADE DO SENTIR EM UMA ÉCLOGA DE VIRGÍLIO
Resumo
Este artigo apresenta uma análise da Écloga Segunda do poeta Públio Virgílio Maro. Nosso objetivo foi averiguar os mecanismos linguísticos de significação empregados no texto, a partir das concepções da psicanálise. A pesquisa foi feita mediante revisão bibliográfica e análise documental. Pudemos perceber o processo dialético na representação das pulsões de vida e morte na relação de enamoramento e incorrespondência.
Palavras-chave:
Amor; Insanidade; Dialética.
The hybris of love and the ambiguity of sentiment in an eclogue of Virgil
Abstract
This article presents an analysis of the Second Eclogue by the poet Publius Virgílio Maro. Our objective was to investigate the linguistic mechanisms of meaning used in the text, based on the concepts of psychoanalysis. The research was carried out through a bibliographic review and document analysis. We could see the dialectical process in the representation of life and death drives in the relationship of falling in love and incorrespondence.
Keywords:
Love; Insanity; Dialectic.
La hybris del amor y la ambigüedad del sentimiento en una égloga de Virgilio
Resumen
Este artículo presenta un análisis de la Égloga Segunda del poeta Publius Virgílio Maro. Nuestro objetivo fue investigar los mecanismos lingüísticos de significado utilizados en el texto, a partir de los conceptos del psicoanálisis. La investigación se llevó a cabo a través de una revisión bibliográfica y análisis de documentos. Podríamos ver el proceso dialéctico en la representación de las pulsiones de vida y muerte en la relación de enamoramiento e incorrespondencia.
Palabras clave:
Amor; Locura; Dialéctica.
L'hybris de l'amour et l'ambiguïté du sentiment dans une églogue de Virgile
Résumé
Cet article présente une analyse de la Deuxième églogue par le poète Publius Virgílio Maro. Notre objectif était d'étudier les mécanismes linguistiques de sens utilisés dans le texte, sur la base des concepts de la psychanalyse. La recherche a été menée à travers une revue bibliographique et une analyse documentaire. On a pu voir le processus dialectique dans la représentation des pulsions de vie et de mort dans la relation entre tomber amoureux et incorrespondance.
Mots-clés:
Amour; Folie; Dialectique.
Introdução
O presente artigo visa analisar, pela ótica da psicanálise, a Écloga Segunda, do livro Bucólicas, atribuído ao poeta mantuano Públio Virgílio Maro. O poema em questão foi extraído do livro Bucolica, Georgica et Aeneis, editado por Petrus Burmannus e impresso em 1784 por Andrew Foulis.
O referido texto figura como um dos poemas mais relevantes e conhecidos do poeta. Sua estrutura se divide em duas vozes; sendo a primeira do próprio eu-lírico e a segunda, de Corydon. Esse último é um senhor de terras que se encontrava enamorado por um jovem escravo de outro senhor –Iolas-. Tal jovem recebe o nome de Alexis.
Todo o cantar de Corydon é direcionado, destarte, ao seu amado. O texto possui tom monológico e melancólico: qual o lamento de um enamorado frente ao desprezo de seu ente querido. Nos detemos, pois, sobre tal questão, com vistas a esmiuçar os processos poéticos, psíquicos e discursivos dispostos na linguagem de Corydon frente a Alexis.
Desenvolvimento
Essa seção se divide em duas partes. Em um primeiro momento, apresentamos os fac-símiles do poema aqui tratado, dado o grau mínimo de interferência que tal forma de reprodução presenta (Spina, 1977). Já no segundo momento, apresentamos a análise dos dados a partir do referencial teórico consultado.
Figura 1. Prima pars
Fonte: Virgilius, 1784, p. 04.
Figura 2. Secvnda pars
Fonte: Virgilius, 1784, p. 05.
Figura 3. Tertia pars
Fonte: Virgilius, 1784, p. 06.
O poema aqui analisado, como já apresentado, representa um lamento de Corydon frente ao desprezo que lhe tem Alexis. O amante, por diversas vezes, refere-se a ele como crudelis (cruel) e enfatiza a frieza do amado, como no v. 06, no qual ele emprega a oração nihil mea carmina curas (não te importas com nenhuma de minhas canções).
Ao longo do texto, são empregados diversos elementos poéticos para ora fazer comparações, ora reafirmar o sofrimento do pastor. Nos v. 16-18, por exemplo, o pastor compara o jovem aos lírios que, ainda que sejam brancos, não escapam da colheita. A diante, nos v. 12-13 e 46-50, a natureza se mostra ainda como uma extensão do sentir poético, tal que o locus poético reflita o estado de ser do homem (Souza, 2019).
Por tal perspectiva, Lacan (1966 & 1958-1959) pensa o inconsciente enquanto estrutura linguística. Assim, a rede de significantes dispostos na elaboração discursiva da mensagem produz também um conteúdo subjacente. Dessa forma, o pensamento psicanalítico estabelece, entre muitos aspectos, a ideia de que o inconsciente não opera de modo aleatório, mas sim mediante formações encadeadas, cujos reflexos se percebem através da expressão verbal.
Essa concepção, segundo Lacan, já está presente em Freud, e é a ela que se deve o caráter radical da descoberta do inconsciente, que marca, no limiar do século XX, o nascimento da psicanálise. É tal concepção que permite diferenciar inequivocamente o inconsciente freudiano do intuído até então pelos poetas e filósofos – um reino obscuro e caótico situado fora dos limites da consciência. (Castro, 2009, p. 02)
Sem embargo, Eagleton (2008) assinala que a associação direta entre o autor e o discurso de sua obra não é tão linear como se pode supor, tal que não seria correto enveredarmo-nos por uma interpretação literal da obra, como: “Virgílio escreveu o poema por sentir o que ali se expressa”.
Sem embargo, Queiroz (1991) salienta, por sua vez, o papel histórico da literatura, posicionando o escritor enquanto um “retratista de seu tempo”. Dessa forma, é possível pensarmos a poética de Virgílio como extrato de um modus amandi de seu período. Nessa perspectiva, Lima (2023, p. 34) destaca que
a visão de Corydon sobre Alexis é completamente carnal. Corydon frequentemente enaltece a beleza do escravo, descrevendo-o por duas vezes como “formoso menino”. Ainda diz o pastor que Alexis era “as delícias de seu senhor”. Tal passagem evidencia a naturalidade com que os senhores mantinham relações sexuais om os jovens escravizados.
A relação de carnalidade do amor é bastante evidente no texto. Contudo, também é evidente a relação de ambiguidade do sentir, uma vez que, ao mesmo tempo que Alexis é chamado de formose puer (belo menino), esse é dito crudelis. Com efeito, a figura de Alexis é repleta de ambiguidades, pois, o mesmo que desdenha de Corydon por sua aparência é enaltecido por sua beleza. O mesmo jovem caracterizado como orgulhoso e vazio de conteúdo (pois não há clareza acerca da personalidade do jovem) é aquele que gera em Corydon o sentimento de melancolia e desprazer.
A cisão figurada por Alexis pode ser lida como uma projeção do próprio eu do pastor. Sobre isso, é sabido que
Freud introduz a polaridade entre amor e ódio para abordar a distinção entre as pulsões de vida e as pulsões de morte. O amor seria representante de Eros e o ódio, da pulsão de morte, já que está relacionado à agressividade, forma por meio da qual uma parte do impulso mortífero se manifesta no mundo exterior. Porém, se for possível atestar que o amor se transforma diretamente em ódio e vice-versa, cai por terra a sustentação de uma diferença qualitativa entre as pulsões de vida e de morte (Gaio Filla, 2022, p. 124).
Desse modo, também a personagem, em alguma medida se vê cindida entre amar o belo Alexis e rechaçar o cruel menino. No v. 67, isso se mostro muito claro, uma vez que, ali o amante refere-se a si do seguinte modo: quae te dementia cepit? (qual insanidade te possuiu?). essa passagem reforça o sentimento de incongruência emotiva experimentada. O mesmo eu que ama sente o rechaço e sofre, ainda que não queira sofrer. Embalde, o homem lógico tenta guiar-se, mas a hybris do amor o freia.
De um modo quase didático, Virgílio apresenta a dureza do amar, pois a lógica racional não se aplica ante o amor. Corydon era rico, dono de gado e poderoso. Logo, o lógico seria que Alexis almejasse estar com ele. Não é o que passa, todavia.
Como resposta, então, ao descontrole pulsional –produto do desejo incorrespondido-
a agressão que volta de fora para o interior do indivíduo, seja pelas restrições da cultura, que impedem a sua satisfação nos objetos; seja como saldo da identificação e da respectiva dessexualização, como vimos acima, pode ter como efeito tanto o reforço do masoquismo originário, quanto do sadismo do Supereu (Gaio Filla, 2022, p. 129).
O poema todo, destarte, é regimentado por um tom conflitante e dialético, em cujo campo se combatem forças opostas. As poderíamos ler como uma metaforização das pulsões de vida (lebenstrieb) e morte (todestrieb), como proposto por Freud (2021). Por uma perspectiva, a beleza de Alexis contrasta-se com a feiúra de Corydon. O palor do escravo, contrasta-se com a pele escura de Menalcas (v.15-16).
Por tal perspectiva, o poema ainda segue rumo a uma resolução. O eu da personagem demonstra saber da incongruência de suas emoções e do descaminho pelo qual se direciona. Embalde, diz o senhor de terras, perdem as vozes as cigarras buscando as pegadas de seu amado (v. 13-14). Embalde, ele se questiona acerca de sua sanidade.
Somente no verso final, porém, o amante diz: Invenies alium, si te hic fastidit, Alexin (outro virá, se te fastidiou esse Alexis). É dizer, esmaecido o desejo sem resposta, o pastor segue na busca por um ideal vazio que, por sê-lo, se poderá preencher com outra figura.
Conclusão
Como conclusão ao presente artigo, podemos perceber a disposição dialógica do poema virgiliano. Múltiplos recursos linguísticos são empregados no texto de modo a representar o processo dialético de oposição entre ideias, pessoas e sentimentos. Podemos entender esse mecanismo como uma figuratividade inconsciente do processo de disputa emocional entre todestrieb e lebenstrieb. Tal disputa encontra sua resolução no esvaziamento emocional do apego para com o amado Alexis e na permanência pela busca de um ideal abstrato.
Referências bibliográficas
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Gaio Filla, M. (2022). O EU E SUA AMBIGUIDADE EM FREUD. Eleuthería - Revista Do Curso De Filosofia Da UFMS, 7(13), 118 - 144. Recuperado em 11 de mai. de 2023 de: <https://doi.org/10.55028/eleu.v7i13.15488>
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Lacan, J. J. (1966) Écrits. Paris: Seuil.
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Virgilius. (1784). Bucolica, Georgica et Aeneis. Glasgow, 1784. Recuperado em 11 de mai. de: <Publii Virgilii Maronis Bucolica, Georgica et Aeneis. Ex editione Petri Burmanni - Publius Vergilius Maro - Google Livros. >