por Sara Klust__
Foto de Mariam Soliman na Unsplash
Aqui na Alemanha, casos de violência nos relacionamentos amorosos são postos muitas vezes debaixo do tapete, sobretudo na comunidade brasileira. Quando cheguei em terras germânicas, observei um comportamento curioso entre as conterrâneas: o de tecer elogios a homens estrangeiros – “são maridos excelentes, não como os caras do nosso país” –, aos homens brasileiros restavam apenas críticas e menosprezo. Muitos desses julgamentos eram pertinentes, se tratando da sociedade brasileira, onde a espécie Machista ainda não foi extinta. Contudo, sei que nos bastidores desses lares binacionais, aparentemente perfeitos, a realidade é bem outra.
Moro há mais de duas décadas na Europa e conheci mulheres de variadas nacionalidades, com algumas delas ainda mantenho contato. São alemãs, brasileiras, portuguesas, russas, italianas, ucranianas, argentinas, e já ouvi de quase todas elas histórias de abusos onde as próprias foram vítimas. Em muitos desses casos, percebia nessas mulheres o fato intrigante de que, embora independentes financeiramente, não conseguiam se libertar de seus opressores. Uma delas, viveu cinco anos com um homem alemão e, com exceção de alguns bons momentos, como me confessou, teve de enfrentar anos de violência moral, “ele me chamava de vagabunda”; violência patrimonial, “me pedia dinheiro emprestado e não pagava”, entre outras aflições. Curioso, é que o apartamento onde o casal morava pertencia a ela, assim como o maior salário e saldo bancário. Outra vítima, uma das chefes da firma onde trabalhei, uma mulher pela qual eu tinha imensa admiração por achá-la uma representante do feminismo, me confidenciou, com olhos marejados, ser enganada frequentemente pelo marido. Já outra, esperou durante 15 anos que seu “namorado”, um homem casado, assumisse o relacionamento com ela. Quinze anos dedicados a alguém que nunca a ajudou e ainda a chamava de burra!
Mulheres da geração de minha mãe e avós suportavam maus tratos do companheiro por não terem melhores oportunidades: “ruim com ele, pior sem ele”, diziam. Muitas dessas mulheres não trabalhavam fora, não tinham renda mensal, nem mesmo escolaridade, dependiam financeiramente do homem e sabiam que – a liberdade – resultaria na barriga vazia dos filhos. Um dia, ouvi uma conversa entre minha mãe e uma vizinha, onde esta admitia não suportar mais o marido, “não aguento mais olhar para cara desse cachaceiro que vive me chifrando”, mas como dar um basta no casamento quando há quatro crianças precisando de escola e comida? E assim, seguiam suportando caladas o adultério, os xingamentos, os tapas e o sexo com alguém que não mais amavam. Sofriam na pele a desigualdade de direitos entre homens e mulheres que, em pleno século XXI, ainda persiste em muitos países.
Sara Klust - Graduada em Comunicação Social, trabalhou nas rádios Cidade e Manchete FM, na assessoria de imprensa do DETRAN e no Jornal do Commercio, antes de se mudar, em 1994, para a Europa. Em 2020 publicou Um novo começo em Hamburgo, e, em 2022, A mãe brasileira, disponíveis apenas na Alemanha e Áustria. É uma das organizadoras da antologia de contos Tinha que ser mulher, cujas vendas são revertidas à Associação Fala Mulher. Mora com o filho e o marido na região do Vale do Ruhr, no oeste do país.