Lados da Feira, crônica de Anthony Almeida

por Anthony Almeida__ 




          "A Feira de Caruaru [que] Faz gosto a gente ver [que diz que] De tudo que há no mundo [será?] Nela tem pra vender" é cantada por muitas vozes faz mais de sessenta anos. Somando-se mais ou menos um centenário nessa conta, a gente acha menos ou mais a idade da Feira e do município, que levantaram as suas barracas e casas ao mesmo tempo. 

Como se vê, ela, além de cantada, teve sua história estudada e contada por aí. Eu mesmo a estudei — e comecei o meu estudo tentando responder aquele ‘será?’ entre colchetes ali em cima.

Mais do que estudar, entender, estender a Feira, eu queria era ter vivido mais dela. Vivi dela um bocado, sim. Mas não foi a da música. A Feira cantada por Luiz Gonzaga e Onildo Almeida, a Feira ecoada pelo mundo (isso, sim — e sem o ‘será?’) foi a da década de 1950, época da composição do forró. Décadas a mais, décadas a menos, dá para dizer que a Feira, se não a mesma, foi muito parecida com a da música até 1992. 

Isso porque, em dezembro de 1992, a Feira de Caruaru saiu do Centro e deixou a frente da Igreja da Conceição. Saiu da Rua do Comércio e deixou o frege da cidade. Foi transferida para o outro lado do rio. Foi essa Feira, a do lado de cá do rio, que eu não conheci. 

Eu até já existia nessa época, mas era um bebê com 3 anos recém-completados. Não tenho nenhuma lembrança da Feira que se fazia gosto de ver. A minha Feira é a Feira do lado de lá do rio.

Vivi umas coisas que não lembro, é verdade. Mas me lembro de muita coisa que vivi do lado de lá do rio. Dos 4 aos 14 anos, se eu espremer as minhas memórias, o suco delas vai ter o gosto das frutas da Feira, vai ter as cores, os perfumes e os burburinhos da Feira. Mas da Feira do lado de lá do rio. 

E é por isso mesmo que eu queria ter vivido — e me lembrar — da Feira do lado de cá do rio. Acho que vou perguntar para os meus pais se eles sabem de algo, de alguma história que vivi na Feira do lado de cá do rio. Tomara que saibam.


— Caruaru. Dezembro, 1992.





Anthony Almeida
nasceu em 1989, em Caruaru/PE. É cronista, geógrafo, professor e editor-adjunto da RUBEM – Revista da Crônica. Atualmente desenvolve pesquisa de doutorado em Geografia Literária na UFPE, campus Recife, sobre o tema ‘Geograficidades do mundo vivido-escrito na crônica brasileira’. Escreve para a Revista Mirada. Saiba mais em: https://linktr.ee/anthonypaalmeida