por Adriano Espíndola Santos_
Foto de Jr Korpa na Unsplash |
Lá fora, nada importa. Um suplício de morte me espreita. Melhor quedar em casa, calado, ainda que exausto. Ouço vozes rasantes ao me deitar. A rede é uma bolsa funda, intransponível. Prefiro não dormir, às vezes, para não me deparar com os mandamentos de desordem. “Fique aqui! Faça isso ou aquilo”. Quando mais novo, cooperava com os espíritos. Cheguei a matar o meu gato em sacrifício. Fui internado pela primeira vez aí. Minha mãe não queria conviver com um assassino. Os anos passaram e fui aprendendo a lidar com as “vozes”. Há tempos que me esquecem. Noutros, sou posto à prova constantemente. “Por que não se lança da Ponte Rio-Niterói? Por que não estampar, uma vez na vida, uma capa de jornal, ser notícia na coluna policial?”. Superei a morte em vários momentos. Numa vez, a cem por hora, fui provocado a virar o volante para a direita, numa rodovia de mão dupla, e virei para a esquerda, para contrariar, mas capotei o carro, que deu três rodopios no ar e, ao cair, esmagou a minha perna direita. Quando os policiais chegaram, ainda consciente, avisei-lhes que joguei o carro para o acostamento em razão de uma raposa que passava, para não a matar. O policial, intrigado, perguntou ao outro se naquela região erma haveria raposa ou algo do gênero. O outro policial falou que não sabia, mas, por via das dúvidas, iria recomendar a colocação de uma placa avisando sobre o risco da travessia de animais. A vez mais penosa foi quando, em viagem ao Ceará, resolvi, com uma equipe treinada, encarar a subida de uma rocha. Eu não tinha nada a perder. Nunca liguei por estar vivo. A questão era suportar a dor da morte; ou seja, não morrer e ficar agonizando. Subimos alguns metros e, por falta de prática, me distanciei do grupo. Eles gritavam me estimulando. Numa distração, prendi-me entre um espaço entre rochas e fiquei um tempo descansando. Já havia me perdido do grupo. Não gritei para me esperarem. Contemplei a minha existência, um nada, diante da imensidão. Pensei que a terra poderia me absorver, por completo, no choque, na queda. Seriam milésimos de segundos entre o baque e a morte. Planejei, rápido: caindo de cabeça, seria fatal. Soltei as cordas que me seguravam, estirei as mãos, em posição de saltar, quando fui surpreendido por um auxiliar, do qual eu não lembrava da existência, que me jogou para dentro da cavidade e me deu um esporro: “Você acha que isso é brincadeira de super-herói? Seu idiota, ponha logo o equipamento e desça comigo!”. O decreto do maioral do grupo era que nunca mais pisaria ali, pois estariam sob o risco de perder a autorização da prefeitura se acontecesse um acidente dessa proporção; que eu teria sido um irresponsável; e, em minha defesa, disse que queria fazer uma experiência, simples, de ficar um tempo sentindo o mesmo vento que os pássaros sentiam, de observar o templo sagrado da natureza, sem amarras. Não houve jeito. Perdi duas oportunidades. Agora, com essa idade, só tenho medo. O medo me consome e, depois da pandemia, não consigo sair de casa. Vivo alojado com as tralhas e os bichos imundos como eu. Além de todos os problemas, determinou, uma vizinha que não gosta de mim, que chamaria a vigilância sanitária para interditar o lugar e para dar um jeito de me colocar numa prisão: “Seu porco, vagabundo! Tá trazendo doença para o nosso bairro”. Para o seu conhecimento – pensei, e não daria o gosto de respondê-la –, a morte está bem aí, logo darei um fim nisso tudo, e me libertarei de mim.
Adriano Espíndola Santos é natural de Fortaleza, Ceará. Em 2018 lançou seu primeiro livro, o romance “Flor no caos”, pela Desconcertos Editora; em 2020 os livros de contos, “Contículos de dores refratárias” e “o ano em que tudo começou”, e em 2021 o romance “Em mim, a clausura e o motim”, estes pela Editora Penalux. Colabora mensalmente com as Revistas Mirada, Samizdat e Vício Velho. Tem textos publicados em revistas literárias nacionais e internacionais. É advogado civilista-humanista, desejoso de conseguir evoluir – sempre. Mestre em Direito. Especialista em Escrita Literária e em Revisão de Textos. Membro do Coletivo de Escritoras e Escritores Delirantes. É dor e amor; e o que puder ser para se sentir vivo: o coração inquieto. instagram:@adrianoespindolasantos | Facebok:adriano.espindola.3 email: adrianoespindolasantos@gmail.com