Não pouparam nem o Nelson, crônica de Carlos Monteiro

 por Carlos Monteiro__


Foto: Carlos Monteiro

          Não andam poupando ninguém, nem vivos, nem mortos, pelo Rio de Janeiro. Desta feita, foi batata: levaram o busto do Anjo Pornográfico que encimava seu túmulo no cemitério São João Batista, em Botafogo, Zona Sul da Cidade Maravilhosa (será?).

O pernambucano, dramaturgo, escritor, jornalista, teatrólogo, contista, ensaísta, romancista, cronista da realidade nua e crua e comentarista de futebol brasileiro, tricolor roxo (ufa!)..., com quem tive o privilégio de dividir a redação do Jornal dos Sports, ainda foca, e assistir acalorados debates entre ele e o Duarte Gralheiro – diretor de redação, na disputa eterna Fluminense e Vasco da Gama. Nelson demonstrou, mesmo após a morte e de forma ocular, que a vida é como ela é. Não é um broto; é dura e crua. Uns acham que poderia ser bonitinha, mas, na verdade, ela é ordinária. De fato, é que, envolta em um véu de vestido de noiva, surrupiaram o busto, afanaram a estátua, gatunaram o pensador, bifaram a peça com mais de 45 quilos.

Uma história rodriguiana digna das páginas do Última Hora, com devaneios e sacarmos que pisoteiam a cara do carioca, com direito a ser reacionário, ter reação e ser contra tudo o que não presta. 

Batata! Meteram a mão no instrumento post mortem tão precioso a Remington que tanto amava — do gênio. E agora Nelson? Como escreverás, corroborando com o Universo que: “A unanimidade é burra” em não proteger nosso patrimônio? Como dedilharás, nas teclas gastas pelo tempo e espaço, que o “Mundo será dominado pelos idiotas, não pela capacidade, mas pela quantidade: eles são muitos”! Como invejarás a burrice sendo ela eterna?

É óbvio ululante que sua máquina já virou líquido, afinal, com tu bem dissestes; “Muitas vezes é a falta de caráter que decide uma partida. Não se faz literatura, política e futebol com bons sentimentos” e “No Brasil, quem não é canalha na véspera é canalha no dia seguinte

E, com essa boca, cheia de dentes, de ouro, escancarada esperando a ressurreição chegar e a máquina, por algum milagre sobrenatural retornar, porque tentam apagar a história, tentam apagar o passado, mas você Nelson, sempre será eterno, sempre será o melhor. 

Você sempre “aprendeu a ser o máximo possível de você mesmo”, porque “as vaias são os aplausos dos desanimados’.

Perdoa-me por me traíres!




                                                       
                                                                                            
                                                                         
                                                               
                                                       
                                                        
                                                    
                                                        
Fotos de Carlos Monteiro


         


Carlos Monteiro é fotógrafo, cronista e publicitário desde 1975, tendo trabalhado em alguns dos principais veículos nacionais. Atualmente escreve ‘Fotocrônicas’, misto de ensaio fotográfico e crônicas do cotidiano e vem realizando resenhas fotográficas do efêmero das cidades. Atua como freelancer para diversos veículos nacionais. Tem três fotolivros retratando a Cidade Maravilhosa.