Rosa em ficção, um conto do livro Sonhos e perdas & outros contos, de Sandra Modesto

 por Sandra Modesto__



Rosa estava fugindo de notícias ruins.  Acordou meio desanimada. E num cansaço estranho voltou a dormir. Sonhou... Uma notícia boa num jornal.

Arrumou um tempinho e se espalhou.

Preferiu as rosas. Elas não falam, mas há o desmedido amor manso dos girassóis. Rosa não preteriu – se.

Gritou. Havia silenciado por tantas vezes.  

Quis inventar. Qualquer linha, qualquer embaraço alguns escritos. Lá fora, o mundo grita por mim? O despertar ofegante e o texto surgiram sem fuga.  

Os minutos estão fragmentados. Pessoas morando nas ruas. Crianças trabalhando, governo sem planos. Gente passando fome, medos, robustos podres poderes. O que é isso Brasil! 

Difícil escrever, senta na poltrona, desiste. Insiste. Esquece o teclado. Usa bloqueios de papel. 

Na imaginação fértil de um útero poético, Rosa imagina- se uma fotógrafa registrando as ruas por onde passa. As luas. O raio tão forte e o namoro de duas mulheres em praça pública.  Cenas de cinema. Porque na vida real, há tabus. Rosa adormece.

Ao acordar enfrenta o noticiário.

Rosa faz xixi e corre do espelho. É ele que escancara quando a moça que passa o café, vê no reflexo de dentro, uma vontade imensa de mudar a história. Um livro marcado na penúltima página. Escrito em letras garrafais, um espetáculo permeado por liberdades.   Num sábado cretino, uma solidão que avança o tempo. Um caderno, uma prateleira empoeirada, uma alergia pequena. 

Apenas a certeza seria a hora da morte do último ato ou capítulo, ou algo capaz de atormentar o leitor, o espectador, o paraíso proibido ficaria explícito numa vulgar edição. 

Nada é inédito. Restam apenas os dentes passados no fio dental. Uma câmera imaginária atravessa uma possível filosofia de botequim. Rosa sabia das dores de uma mulher. Escreveu e contou tudo antes do morrer dos dias. Tudo é brisa. É merda. Aplausos ou nada. 



Sandra Modesto é mineira de Ituiutaba. Graduada em Letras. Pós-graduada em Educação: “O texto e o pretexto na intertextualidade” Livros publicados: Era sábado, crônicas, Kotter Editorial, 2022, Tudo em mim é prosa e Rima, Autografia editora, 2019. Acenda a luz, prosa poética, editora Kazuá, 2015 e Sonhos e perdas & outros contos, pela Patuá, 2023.