por Adriano Espíndola Santos__
Foto de Jr Korpa na Unsplash |
Repete-se uma sequência de “nadas” na minha vida: um fracasso retumbante. Pretendi ser aliado do tempo, mas, à medida que me aproximava, ele se dilatava, ignorando a minha existência. Pode ser um discurso fatalista. Alguns dizem até que sou “extravagante” nas palavras, no comportamento. Os dilemas começaram na infância. Espera-se de uma criança que ela seja esperta e feliz. Quem me via de fora poderia supor um traço de felicidade. Quantos não foram os momentos em que estive enclausurado, por escolha própria, no meu quarto ou em algum compartimento da casa de meus avós? Incontáveis. Lembro-me de chorar com as músicas românticas da época, escondido, para ninguém perceber; um choro sentido, trágico, sem ver nem para quê. Claro, gostava mais de brincar com os bichos do que com os moleques de minha idade. Talvez porque eu era sempre passado para trás, como um garoto bobo e medroso. Partida de futebol? Só na televisão. Até tentei: fui a um – único – treino de uma escolinha. Logo colocaram-me para escanteio, um obstáculo impossível para a vitória. Pedi à minha mãe que me tirasse no mesmo dia. Mudei para o karatê. Aí fiquei seis ou sete meses. Tive pena do Bernardo, um amiguinho, que levava pauladas nas pernas e nos braços para ajeitar a dita posição ideal para o kata. Decerto ele tinha uma condição especial, algo como autismo, que nessa fase era negligenciado. Quando Bernardo deixou de ir aos treinos, fui eu o alvo do professor. Levava, frequentemente, murros na barriga, para o mestre conferir se eu estava “alerta”. Também pedi para sair, e dessa vez minha mãe foi mais generosa, ao me colocar na natação – nesta, a não ser pela água, eu não teria grandes problemas. Suei para nadar. Afoguei-me umas tantas vezes. Mas não tenho trauma de água, felizmente. Dos doze aos quatorze anos, percebi que devia firmar posição na sala da minha turma do colégio. Havia disputas ocultas e sinistras para saber quem mandava no pedaço. Então, aliei-me ao Jojô e ao Ailton, dois brabos, que me usavam para caçar garrafas no recreio, para trocá-las por merenda na cantina, e para serviços de despachante, cobrando a um e a outros serviços ou produtos que os dois queriam. Foi com eles que vi pela primeira vez maconha, mas nisso não me metia. Como Ailton já era repetente, tendo perdido de novo a sexta série, foi pedido para se retirar da escola. Jojô, parece que por isso, perdeu a força, e de ano em ano tinha de ter a sagacidade de procurar a quem me chegar; e eu me chegava aos mais velhos e mais fortes. Foi essa luta insana que me levou, aos dezoito anos, a cair numa encrenca por causa de um papelote de cocaína encontrado pela polícia no carro que eu dirigia. Primeiro, o carro era do meu pai: grande bronca. Depois, o produto era de um colega, que mal conhecia, amigo de um amigo. Como eu estava desesperado na abordagem, o policial aceitou vinte mangos para me liberar. Por sorte, meu pai, que também era policial, não soube do ocorrido. Dos dezoito aos vinte e cinco, patinei, como um bêbado, para me equilibrar na selva. Abri um petshop, porque, logicamente, me afeiçoava aos bichos; seria o destino mais lógico. Enquanto isso, tentava, ano após ano, passar para a faculdade de Biologia. O dinheiro que perdi com o petshop, quase certo, daria para comprar três carros populares. Jamais tive o dom de mexer com finanças, balanços e afins. O que recebia só dava mesmo para pagar os funcionários, dois. Fiquei cinco anos nesse limbo. Resolvi acatar o que meu pai tanto pedia: “Faz concurso, rapaz, nem que seja para gari, para ter um dinheirinho certo”. Já estava de saco cheio de estudar, quando veio a aprovação como agente de trânsito do município. Casei-me com Manuela, com quem namorei seis meses. Dizem que foi um tremendo alvoroço, um negócio impensado, e eu concordo. Não sei se amo Manuela. Já não sabemos qual foi o fogo que nos aproximou. Ela é pacata, tranquila até demais, e tenho a suspeita de que continua comigo por comodidade. Eu também. Trabalhar como agente de trânsito me rendeu duas depressões longas e uma tentativa de suicídio. Não é só ficar controlando os carros, é, especialmente, organizar a população e abafar as brigas e os insultos. Com frequência sou chamado de miserável, pobretão, pelos supostos filhos de desembargadores ou juízes. Numa vez, que dei ordem de prisão, um bombadão riu de mim, me deu um murro, e, logicamente, passei sete dias no hospital, e mais um mês afastado do serviço. A tentativa de suicídio se deu aí. Manuela tinha ido à casa da mãe, para ajudá-la nos serviços domésticos; a velhota é ciumenta e dependente. Pediu que eu tivesse cuidado, para não fazer extravagância. Quando ela chegou, disse que eu estava dopado, apagado no chão. De novo no hospital, fizeram uma lavagem e deram-me uma medicação capaz de cortar o efeito dos oito ou dez comprimidos que tomei. Manuela falou, com muita desenvoltura, que eu era burro, que nem para me matar servia. Depois disso, que foi no ano passado, vivemos como irmãos. Treino para pedir a separação, mas o que me vem é uma tremenda ansiedade, com medo de não saber viver só. Voltar para a casa da mamãe? O que vão pensar de mim?! A derrota é uma muleta que me carrega, antes do fim.
Adriano Espíndola Santos é natural de Fortaleza, Ceará. Em 2018 lançou seu primeiro livro, o romance “Flor no caos”, pela Desconcertos Editora; em 2020 os livros de contos, “Contículos de dores refratárias” e “o ano em que tudo começou”, e em 2021 o romance “Em mim, a clausura e o motim”, estes pela Editora Penalux. Colabora mensalmente com as Revistas Mirada, Samizdat e Vício Velho. Tem textos publicados em revistas literárias nacionais e internacionais. É advogado civilista-humanista, desejoso de conseguir evoluir – sempre. Mestre em Direito. Especialista em Escrita Literária e em Revisão de Textos. Membro do Coletivo de Escritoras e Escritores Delirantes. É dor e amor; e o que puder ser para se sentir vivo: o coração inquieto. instagram:@adrianoespindolasantos | Facebok:adriano.espindola.3 email: adrianoespindolasantos@gmail.com