por Adriano Espíndola Santos__
Foto de Quasi Misha na Unsplash |
Será que este é o momento para escrever? “Ah, você terá muito tempo agora para escrever”. “Olha o lado cheio do copo”. “Você será dono do seu destino”. “A mulherada, meu caro, vai cair em cima”. “Você é um cara bacana, logo vai superar”. Foram algumas das palavras que recebi, sem pretensão – com o desânimo que estou. Umas por simpatia, outras por obrigação de ser educado, pelo menos. Entendo. O ser humano, instintivamente, é movido a falar e a dar “bons conselhos”, pela sapiência ínsita de saber viver (?). Preciso disso, bem ou mal. Algo que possa tocar ou acariciar o âmago. Mas ninguém, absolutamente ninguém viu a casa revirada no dia da mudança repentina, com menos de uma semana do anúncio definitivo do término. Alguém pode entender, com juízo, que o casamento não vinha bem. Sim, de fato, houve promessas de sair, dos dois lados, para nunca mais. Promessas baldadas, é bem verdade. Ameaças cretinas. Os corpos amofinaram. Em outros instantes estávamos chorando, receosos, cada qual no seu canto. Murilo, que passava o tempo entrelaçando entre nós, seria o provável elo para o nosso discernimento e reconciliação. Ele, coitado, sorri sempre, quando olha para o pai ou para a mãe, com apenas cinco anos. Foram demandas, incisivas posições, denúncias, derrames de tristezas, dedos na cara do espelho, e míseras comoções. Choramos mais. Choramos, invariavelmente, talvez por cinco ou seis meses. Ela alegava desejo incontido de liberdade e felicidade – para mim, que entendo de outras felicidades. Deprimimos (implodimos?) os nossos corpos e as nossas perspectivas, cada um à sua maneira. Eu me apeguei ao remédio, e ela à excitação, ao átimo fugaz do desejo – sem sodomizar, imagino. Agora somos duas casas repartidas em milhares de cômodos – incômodos, avariados, inservíveis e instáveis. Tantos vãos (e vens?). Tanta gente doente, para nos ampararmos como cobras numa dança caótica de cio. Ela ainda emana o querer. Não tem um dia que não chore por padecer da nossa pecadora inconsequência. E ela diz que fui seco como um tinto oxidado – esquecido dela e de nossa casa. Quem tem razão é o amor, que nos abandonou, para procurar quem lhe desse atenção. Ou o amor não quer entrar em contendas de semipseudoadultos? Andar por essa casa vazia me faz mal. Quanto tempo me fará mal? Dizem que é uma espécie de luto – se eu luto e enluto há tempos para sobreviver: mais? E agora que estou com dor de barriga? E o instante em que meu filho me pedir um sorriso gostoso de volta? E o prazer de poder cuidar, arraigado? Sou um cemitério de dúvidas. Um coração que bate rasteiro para escapar. Um ser que não pode ser só. E vai, vai. Fulminando elucidações.
Adriano Espíndola Santos é natural de Fortaleza, Ceará. Em 2018 lançou seu primeiro livro, o romance “Flor no caos”, pela Desconcertos Editora; em 2020 os livros de contos, “Contículos de dores refratárias” e “o ano em que tudo começou”, e em 2021 o romance “Em mim, a clausura e o motim”, estes pela Editora Penalux. Colabora mensalmente com as Revistas Mirada, Samizdat e Vício Velho. Tem textos publicados em revistas literárias nacionais e internacionais. É advogado civilista-humanista, desejoso de conseguir evoluir – sempre. Mestre em Direito. Especialista em Escrita Literária e em Revisão de Textos. Membro do Coletivo de Escritoras e Escritores Delirantes. É dor e amor; e o que puder ser para se sentir vivo: o coração inquieto. instagram: @adrianoespindolasantos | Facebok:adriano.espindola.3 email: adrianoespindolasantos@gmail.com