por Carlos Monteiro__
RECLAME AQUI* (segunda parte)
(continuação...)
Quando faltava energia era um ‘Deus nos acuda’. Não havia meio de se movimentar. E como faltava à época. Era tanto o rarear de luz, que o carioca pândego do jeito que é, mudou a letra de “Cidade Maravilhosa”, de André Filho, criando um chiste maldoso, porém, bastante real na ocasião, baseado numa marchinha do Carnaval de 1954: “... Rio de Janeiro/Cidade que me seduz / De dia falta água / De noite falta luz...”. Na versão, com todo escárnio possível, ficou assim: “Cidade Maravilhosa/Cheia de buracos mi l/ De dia falta água / De noite falta energia...”. Noutra parte exortava a beleza das praias cariocas, ironizando, de forma veemente, a sujeira pela qual a cidade ‘atravessava’. “... Praia de Ramos para o turista inocente/Basta então um pequeno mergulho/Para sair com um cão entre os dentes...” Que horror! E como faltava tudo. Recém-ex-Capital Federal, padecia a Guanabara.
O bonde de Santa ficou para contar história. Conta-a até os dias atuais sob uma saraivada de críticas dos moradores do bucólico bairro carioca. Perdeu a graça, perdeu o charme, mas manteve o elã. Não há turista que se encante ao cruzar os Arcos da Lapa sobre os trilhos em um transporte ecologicamente correto e cheio de histórias para contar, umas ótimas como as figuras que habitaram esse universo de estribos e balaústres, outras tristes quando havia alguma queda de passageiro e a derradeira e trágica quando houve o descarrilamento que ceifou muitas vidas. Não foi o primeiro, mas abriu a discussão se deveria continuar ou não sua centenária operação.
Histórias são vividas e vívidas em nossa memória. Não, necessariamente vivenciadas diretamente. Muitas vezes são histórias conhecidas de outros Carnavais. Passadas de pai para filho. Nossos interlocutores põem-se a rir, perguntam-nos do quão detalhes são sabidos e como sabemo-los. Põem-se a rir. Isso está no quão vívida é nossa memória. Somos vividos? Somos experientes? Não importa, muitas vezes é melhor ‘gastar’ palavras, mas, muito melhor é fazer poemas com elas, não o do famoso Rum Creosotado, mas, um que fale de amor, que conte a história de um amor e, por que não, amor pelo Rio.
Idades são tempos em movimento; cronológica, física, mental, espiritual... idade não importa. A importância está na maneira e forma que conduzimos a história de nossa vida. Histórias podem ser da Carochinha ou tão velhas quanto a Sé de Braga. Podem ser afetivas ou imaginárias. São histórias, momentos inesquecíveis que se tornaram permanentes em nossas mentes, porandubas eternais.
Afinal, para bom entendedor, meia palavra basta. Basta? Há histórias em que o pingo se torna letra, a letra ‘A’ que há e tem meu nome. YHVH. “... Entre as estrelas sou a lua… entre os animais selvagens sou o leão… dos peixes eu sou o tubarão…. de todas as criações eu sou o início e também o fim e também o meio...”. Para Jung bastaria. “O sentido torna muitas coisas, talvez tudo, suportável.”.
Ah, hoje em dia, temos o VLT, mas aí é outra história. Vou ali fotografar a alvorada carioca e já volto. O Sol me espera; depois do amanhecer eu te conto!
Não vamos perder o bonde da história.
*Frase contida nos espaços vagos para publicidade nos antigos bondes.
Todas as fotografias são de autoria de Carlos Monteiro |