por Leonardo Nunes__
para uma bicha da baixada
uma bicha da igreja
uma bicha dos anos dois mil
ver uma piroca era um milagre
não havia acesso fácil
ficava sujeita à sorte
ao relance de alguém mijando na rua
a espiar a revista de sacanagem
de algum amiguinho na escola
a ver entre os filmes de ação na locadora
a contracapa dos dvds de putaria
era assim
torcendo para que o filme erótico
das madrugadas da Band mostrasse algo além
de peitos
o site gls do uol dava medo
e se alguém visse o histórico?
a bicha ainda não tinha aprendido a deletar
as páginas visitadas do internet explorer
para ver além do próprio corpo
para saber se medir e sonhar
para construir na memória o tesão
no fim a bicha aprendeu a navegar
escondida
a apagar seus rastros
a sonhar com o chantili pelo corpo
do Alexandre Frota
a bater papo nas salas
a decifrar nicknames
vinte e três não era idade
Montanha-russa
uma montanha
russa movida pela força
da vontade
um carro acelerado
conjunto de ondas
e quedas em ordem
um tiro se move livre
pelo eixo vertical
junto ao trilho
e eu
Rainha da Noite soprando
uma flauta mágica
os ecos
estendendo a tessitura
inexistente de uma voz infantil
staccato por staccato
cada vez mais rápido
eu
reflexo de Edson Cordeiro
taça de vinho e vidro
que se quebra com o poder
do grito
uma montanha
à deriva dos berros
à espera da colisão
uma montanha não
precisa ser conquistada
estou pronta
para o passeio
Castelo
ser bela adormecida
para
finalmente
ser
bela
e adormecida
Pique
todas as coisas
mais belas elas eram as mais
gostosas
poder falar contigo
sem medo de ser ouvido
pelos outros
poder desejar teu pelo
sem culpa de ser pego
ainda que fosse
proibido
quebrar as garrafas
estraçalhar os vidros
ainda que me fosse
destituído o poder
da destruição
Shiva da baixada
era meu desejo
(dizer Leo ao pé do ouvido
bradando baixinho
te quero)
correndo sem fôlego
esquecido e escondido
arfando ardendo
perdido sem saber
onde ele estará́
volto sorrateiro
passo a passo
passo a pique
berrando
um dois três teu
nome
[drama]
tenho andado
emotivo
choro vendo
vídeos da internet
aparece um cachorrinho resgatado
choro
um senhorzinho emocionado
com o presente de uma enfermeira
choro
uma criancinha dormindo
na apresentação de balé
ao som de uma canção de ninar
choro
e choro aqui escrevendo
lembrando de todas essas imagens
para compor este poema
escrevo isto
sentindo o frio recobrindo minhas
mãos
na noite gelada de são paulo
usando finalmente
meu casaco novo
guardado há mais de cinco meses
porque no rio só faz verão
ando emotivo
porque me deixo levar
pela dúvida de quantas
andorinhas fazem uma estação
meu casaco não é de pele
foi feito de algodão branco
tingido com círculos vermelhos
ando pelas ruas de são paulo
vestido como um sinal
um coletivo de semáforos
todos parados
o que não para é o meu choro
tenho andado chorando
demonstrando emoções desfazendo
minha imagem de homem viril e
austero
destruindo o conceito de mocinho taciturno
herói de Jane Austen
desmoronando quando vejo uma barata
gritando por socorro
por um macho qualquer
que empunhe um chinelo
me salve desse medo
aterrador desse monstro
desse demônio socorro
grito
socorro desse frio avassalador
agora eu aqui parado em meio a essa praça
esperando a decisão do que fazer
os lugares seguem lotados
eu sigo transitando emotivo
vestido de alerta
Leo Nunes (@leonardocnunes) é poeta quando dá. Nasceu em Duque de Caxias, Baixada Fluminense, trabalha porque não é herdeiro, sofre com o calor do Rio de Janeiro. Publicou seu primeiro livro, está na hora de me tornar um homem sério (90. pág)), pela editora Minimalismos.