A vida é muito dura pra gente ficar romantizando a figura do poeta | Vitor Miranda

 por João Gomes da Silva/Revista Vida Secreta__



Vitor Miranda estreia na literatura com o livro de contos Num mar de solidão. Em 2016 aparece com sua primeira publicação independente, Poemas de amor deixados na portaria, livro que deu origem a Banda da Portaria. Em sua aproximação com figuras da poesia curitibana, lança pela Editora Kotter o livro A gente não quer voltar pra casa. Experimenta na linguagem em 2019 com o romance poema A moça caminha alada sobre as pedras de Paraty. Organiza o Movimento Neomarginal onde exerce o ofício de agitador cultural. Volta aos contos com O que a gente não faz para vender um livro? pelo Selo Neomarginal onde destila todo seu sarcasmo. Em 2023 surge com Exátomos, pelo mesmo selo. Acompanhe a entrevista realizada pela revista Vida Secreta com o autor.


1 - Vitor, ao explorar a exatidão dos átomos em Exátomos, como essa metáfora se traduz em seus poemas e qual é a mensagem central que você busca transmitir aos leitores?


​na própria criação do neologismo já há uma indicativa da mensagem: a vida é uma coisa só. independente da crença – que vivem e convi-vem no sincretismo e a poesia é uma delas – os seres humanos vivem no mesmo planeta e assim como o poeta cria palavras, versos e poemas, há os filósofos que criam pensamentos, os cientistas afim de provar fatos através de teorias e há os chefes de estados que junto com seus publicitários criam discursos e explodem bombas atômicas e promovem espetáculos pirotécnicos no qual exige de nós o uso de medicamentos contra a ansiedade pelo fim do mundo. talvez Exátomos seja a metáfora sobre esse exato instante entre o nascimento daquilo que chamamos de natureza e vida humana e o momento em que tudo isso irá chegar ao fim, pois como diz o poema: pois a vida é assim / depois do início / antes do fim.


2 - Seu livro anterior, O que a gente não faz para vender um livro?, era marcado por ironia e descrença. Em Exátomos, como você equilibra essa faceta com outros aspectos de sua poesia?


trouxe um pouco dessa ironia e descrença do livro anterior para a capa de Exátomos e para a frase que abre o livro: “a Terra não é plana / mas é chata”.


mas como diria Ferreira Gullar, “quando a morena vai embora só a poesia salva”. essa frase de desamor onde o desiludido se agarra aos poemas é uma metáfora de outra frase dele: “a arte existe pois a vida não basta”.

então seria impossível manter o niilismo dos contos nos poemas, pois é a poesia o combustível da beleza. a poesia é a ilusão de que há a mágica no absurdo, como diria Lobão, mesmo que nem sempre a gente consiga ver.


mas a natureza está aí e os pássaros pousam, os galhos balançam e eu os vejo ao contraluz do sol que se põe todos os dias tingindo o céu e nos dizendo que há uma beleza no cotidiano, então continue vivo que vale a pena a repetição dos dias.


3 - Poemas de amor deixados na portaria deu origem à Banda da Portaria. Como a música influencia sua poesia e vice-versa?


Poemas de amor... foi o início e até por isso um livro somente com a temática do amor passional que é um sentimento bem mais egoísta, apesar de todas as pessoas sentirem a maravilha e o horror do sentimento ou da falta dele.


desobedeci ali aos conselhos de Rilke que escreveu ao jovem poeta: “não escreva poemas de amor”. e na época meus poemas eram tão musicais que geraram muitas letras de canções, algumas delas gravadas pela Banda da Portaria.

como a maioria de nós a poesia nos chegou através da música e aí aquelas canções de amor de Roberto e Erasmo que escutava nos discos de meus pais. Cazuza talvez como a maior referência naquela fase de amores e paixonites e noites do baixo Leblon na época do Barão Vermelho. Nada da minha geração, como pode ver. mas lembro mesmo de uma coletânea em disco duplo do Zeca Pagodinho com tantos sambas de amor como “Saudade Louca” de Arlindo Cruz e outros parceiros e a minha preferida “Lama nas ruas”, samba de Almir Guineto e letra do Zeca Pagodinho – ele conta a história do samba na entrevista com o Mano Brown – que é uma coisa linda repleta de belas imagens: “Deixa / Desaguar tempestade / Inundar a cidade / Porque arde um sol dentro de nós”.


depois que a banda nasceu acabei indo buscar o contrário, pesquisar os poemas dos poetas que foram musicados, já que estava sendo. e daí vai leituras, criação, conversas, estudos e penso que minha poesia foi seguindo outros caminhos e estruturas e se distanciou daquele aspecto letra de música, mas apesar disso ainda alguns parceiros e parceiras enxergam musicalidades e eles se tornam canções.


4 - Como você enxerga o papel do poeta na sociedade contemporânea? Há responsabilidades específicas ou missões que você acredita que os poetas devem assumir?


no meu caso é pagar as contas e contribuir com o país que não queremos. estamos vendo aí mais uma vez que nos livramos dos fascistas mas continua não havendo motivo para pular carnaval. então a vida é muito dura pra gente ficar romantizando a figura do poeta. creio que como ser crítico a mim mesmo, ao outro, aos comportamentos humanos, sociais e políticos, a única responsabilidade que me cobro é que eu seja coerente com a minha própria hipocrisia. a minha missão é completamente impossível. agora, o que espero de um bom poeta e de uma boa poeta, é que a gente não entre pra grupo e que busquemos pensar por nós mesmos e que digamos as coisas diferentes do que já foram ditas. acabei de traduzir um poema do poeta argentino Santiago Haber, “de qué me sirve esta lengua”, para publicar na Revista Neomarginal que diz algo sobre isso. então, a pergunta que faço é: de que me serve esta língua se vou dizer a mesma merda que todo mundo diz?


5 - A gente não quer voltar pra casa foi lançado pela Editora Kotter. Como essa obra se relaciona com a cena poética curitibana e qual é o papel da cidade na sua inspiração?


o papel da cidade curitibana na minha inspiração são poetas, ou mais do que isso, são os poemas. Alice Ruiz, Ricardo Pozzo, Jaques Brand, Leminski, Wilson Bueno, Salvio Nienkotter, Jamil Snege, Estrelinski, Daniel Osiecki, o Vampiro, essa preciosidade “Latim em pó” que estou lendo do Galindo sobre a nossa linguística, entre várias outras obras literárias, poéticas, filosóficas que vem dessa cidade que é tão fértil nessa arte de escrever. é um dos lugares que quando ia visitar não queria voltar pra casa. andar de bar em bar nas noites frias, caminhar pelos trilhos no sol de verão, beber com os punks no largo da ordem, amanhecer com viciados em cocaína no bar do Pedro Lauro. essa província maravilhosa.


sabe que um dia peguei um uber em Curitiba e o motorista era do Piauí. conversa vai conversa vem ele me diz:

- sabe que Curitiba é uma cidade legal, só tem dois problemas: o clima e as pessoas.


fiquei pensando: o que será que sobra? a poesia!


6 - O projeto "Prosa com Poeta" envolve entrevistas com figuras notáveis, como Alice Ruiz e Dionísio Neto. Como essas conversas influenciam seu próprio trabalho?


evoé Dionísio! meu amigo querido. Alice, amiga parceira mestra! o Prosa com Poeta é um dos meus grandes prazeres da poesia. entrevistar, a escuta, é uma linda forma de fazer poesia. e as conversas com pessoas interessantes, não só da cena poética literária, são minha maior fonte de inspiração. acabei de citar o motorista do uber em Curitiba. às vezes as pessoas vão te falando coisas e os sons das palavras vão te pegando, os conteúdos. a entrevista com Alice é sensacional e há vários outros artistas ótimos ali que entrevistei. a que eu gosto mais é de uma amiga da roça que não é poeta e sim uma mulher do sítio, viúva, avó, mãe, que faz as funções dessas pessoas que vivem na zona rural das cidades do interior desse Brasil. Dona Carmen é a poesia mais pura que encontrei.


7 - O sarcasmo foi destilado em O que a gente não faz para vender um livro? Como essa abordagem retorna ou se transforma em Exátomos?


acho que são dois livros bem diferentes. a Bárbara Will no texto de apresentação de Exátomos, por conhecer bem os meus trabalhos, consegue responder essa pergunta melhor do que eu. então comprem o livro pra poder ler o prefácio.

bom, vamos lá, quando escrevo contos eu tô querendo me vingar de toda essa merda, mas como não quero me vingar dos leitores eu transporto o leitor para o absurdo numa realidade fantástica onde o fantástico é o real e a realidade é o melhor humor com o qual tento suportar a vida.


já a poesia é o meu direito à ilusão, ou como diria Eduardo Galeano, o direito ao delírio. pois apesar de tudo a vida também é a experiência onde existe a amizade, o amor, a paixão, o tesão, a poesia, o nascimento e a beleza do fim.


8 - A busca pela completude que nunca é totalmente alcançada, expressa na capa ​de Exátomos, reflete também a natureza do processo criativo? Como você lida com a busca constante por expressão?


eu necessito me comunicar. é uma angústia. e é interessante a ligação que fez da capa com a busca constante por expressão. há muita gente dizendo coisas importantes sobre a vida e não sendo escutada. não adianta muito se expressar, pois mesmo quando você consegue um nível de popularidade, você não tem controle. acaba por virar um entretenimento. eu me acalmo, pois já encaro a literatura e a poesia como entretenimento. acho que foi o Mário Bortolotto que disse “literatura é entretenimento”. e é. a minha busca é algo mais entre eu e minha obra. é o que eu sinto quando a estou escrevendo e até quando vou a transformar em produto livro. a produção do livro faz parte e essa capa, juntamente com a artista que fez o macaco, Ana Seelig, e a diagramadora Íris Gonçalves, conseguimos fazer uma capa poesia. é uma imagem metáfora. um poema visual. penso que vou de acordo com a mensagem. ali há o início e o fim.


​​9 - Como o processo de criação de Exátomos se diferencia das obras anteriores, tanto em termos de inspiração quanto de abordagem?


meu livro anterior de poemas, A gente não quer voltar pra casa, foi publicado em 2018. até aqui se passaram quase seis anos. nesse tempo publiquei o livro que mais gosto, A moça caminha alada sobre as pedras de Paraty, que é um romance experimental escrito em fluxo de consciência. e os contos de O que a gente não faz para vender um livro?.


como pode ver, títulos extensos. então é meu primeiro livro de título curto e que tenho achado interessante ser assim.

em A moça... a escritora Graziela Brum fez uma crítica durante um bate papo dizendo que diferentemente de outros autores que buscam uma temática, o meu livro tem como característica a temática da vida e dentro dela cabem e vivem vários temas. é o que Bárbara Will fala sobre Exátomos também.


eu sempre digo que escrevo sobre a hipocrisia humana. talvez seja essa a definição da vida. a vida é a hipocrisia humana.


Exátomos surgiu como a vida surge. do nada um agrupamento de partículas se deu e quando houve a fusão nuclear, explodiu.



João Gomes da Silva nasceu no Recife/PE em 1996. Autodidata, é escritor, poeta e social media. Publicou em algumas antologias, como Granja, Sub-21, Capibaribe vivoTente entender o que tento dizer, No entanto: dissonâncias e etc. Edita a revista de literatura e ideias Vida Secreta.