por Carlos Monteiro__
Não, não posso apresentar testemunhas, ficaria chato, continuo um cavalheiro, mesmo em dias atuais, quando tem valido tudo, ou quase tudo, ou nada vale.
Tem gente que acorda naquele mau humor de murchar flor no pé e secar pimenteira instantaneamente, que só dá para um bom-dia horas depois, muitas horas depois; às vezes dias, às vezes, nem isso, mas, é fato que, acordo sempre com um humor irretocável, mesmo, ainda, ao final da madrugada – e põe final nisso -, com o chão por estrelas salpicadas. Não, o zinco não está furado, anda pleno. Desperto atiçado pela possibilidade de um novo Sol sarapintado por fragatas tontas, por todos os lados, é a glória do artista, o infinito, o além! O além ali, no máximo acolá. Nada de além purgatório de almas pecadoras.
Como dizia o Apparicio Torelly o, autointitulado, Barão de Itararé, referência e reverência eterna: “um homem que acorda desse jeito, recitando versos indígenas, não tem o direito de achar a vida totalmente ruim”, não mesmo! Nem de longe. Me faço sorriso em guarany: “Aime ko’ápe/peteĩ mba’énte aipotavéva/heñóiva temo’ãkuéragui oĩ porã haguã yvypavẽre/kuara/nambu...”, me faço canto em Villas; “Ó manhã de sol! Ó/Anhangá fugiu, fugiu! hê!hê!/Ó manhã de Sol! hê!hê! de Sol/Anhangá fugiu. Anhangá fugiu! fugiu!/Anhangá hê! hê! Ah! Foi você que me fez sonhar!/Ah! Foi você! Chorar a minha Terra/quem me fez sonhar Coaraci hê!hê!/Para chorar Anhangá fugiu! fugiu!/A minha Terra! Ó manhã de Sol...”
Sigo alegre com as surpresas que me esperam do outro lado da janela, levemente atento aos caprichos do Rio, nublado, mesmo assim, a segunda cidade mais linda que se conhece, como garante Ruy Castro, depois, evidente, do Rio com sol, este, sim, com carradas de testemunhas. Atento ao restinho de noite, faço um café bem forte na máquina adormecida num canto da cozinha, sem esquecer que estamos registrando, com força, acendendo o refletor e arrumando o tamborim, o “Novembro Negro”.
Esquecer, jamais, lembrar cada vez mais, porque depois dos navios negreiros, outras correntezas persistem. Tudo planejado, equipamento na mira, tripé, mudanças necessárias na última hora, já que nesses momentos, como em outros, planejamento, manual, imagens fantasiosas, aditivos, o dia de ontem, nada disso garante o nosso sucesso. Nada! A possível sustentável leveza do ar, do ser e do estar, quem sabe até, do permanecer. Pegar o amanhecer no olho, a beleza à unha ou transformar o mais ou menos em ‘uau!’, é missão, é propósito. Está escrito nas estrelas, estava e está sim!
Mas, já corri para a divagação, com Gal, que quer ir para a Bahia de Mãe Menininha do Gantois, também ver o sol nascer. Bênção meu Pai Oxalá! Hoje não vou, baby, não posso mais me casar, eu sigo inadimplente. I love you! Tenho que escrever, focar nas nuvens, no firmamento, no espaço que ainda me permitem, fora do quadrado concretado em que me asilo voluntariamente, exílio sem palmeiras onde canta o uirapuru, qual nada... necessariamente, quase solitariamente, enquanto aguardo que os vigaristas, covardes de plantão, nos cargos públicos parem de politicar e atrasar vacinas, recursos, apoios, o século, a vida.
Não se afobe, não, que nada é ‘pra’ já, a Terra que fotografo redonda, sim, meus caros, a Terra é redonda, dá aquelas voltas diárias exatamente como a Lusitânia iluminada pela Galeria Silvestre, há milênios, e em uma dessas voltas todos nos encontraremos com todas, todos e todes, é isso! É disso que estou falando. Nada é ‘pra’ já, nem os escafandristas inocentes do Leblon que olham o navio passar. Será bailarina?
Espero o desenrolar do dia, atento aos imprevisíveis sinais que não quero perder, como o amigo que tenho, não admite perder os sinais dos encantamentos que vai colecionando dia a dia, somados em camadas, novos arquivos, como insetos em volta da lâmpada; pirilampos apaixonados que morrem pelo brilho da luz. Esperando mais luz, pegando o trem das estrelas. Quase, quase conseguindo, o sol hoje despontando mais ou menos, vou à luta, libero o olhar, solto a mão no disparador, deixo a máquina fazer a sua parte, e tem o resto, mas o poeta recomendou, o poeta esse fingidor, o resto deixa ‘pra’ lá; tudo, tudo vai dar pé!
Quase lá! Quase ali, quem sabe, acolá!
Fotografias: Carlos Monteiro |