Guarda-Gozo, crônica de Marcela Elisa

 por Marcela Elisa__





                                                            
        O violão estava pendurado no novo pendurador em formato de clave de sol; ainda que estivesse com duas cordas faltantes, foi uma satisfação vê-lo, enfim, sendo tratado com respeito nessa casa: um violão não merece ficar no chão, à mercê de crianças sorrateiras e curiosas. Agora, violão sem corda, isso é igual tesão que não se goza junto, um lamento, ainda que exuberante.

É que essa “gira deixa a gira girar” é um troço de muita artimanha e arquitetura. Explico-vos: lá fui eu e ele, em um dia típico para sorvete de pistache e cordas do instrumento; ele músico, eu apaixonada. Essa coisa de se apaixonar por músico é tão clichê, que chega a ser coro entre as amigas, no grupo do Whatsapp: “fala sério, amiga, cê caiu nessa?”; o que elas não sabem é que ele me ama pelos olhos e que eu não caí sozinha, não.

Ele não só me ama, ele me quer; e eu, oh céus, sinto a força do desejo desde os pés. Isso nunca me aconteceu! A quentura não só se avoluma lá embaixo, como também passa pelo coração (alguém aí já ouviu falar em tesão no coração? Pois é), vai para as ideias, desce de novo, se assenta nos quadris e quando me percebo, estou dançando na cadeira com Feira de Mangaio, do Zé Paulo Becker; é de dançar na coluna inteira. Mas não sai. Aquele gozo fica nas entranhas da gente sabendo que é do lado de fora que ele queria estar.

Não sei se esse tipo de coisa influencia o caráter dos amantes do impossível, mas essa fogueteira toda vai virar um documentário, com trilha em moda de viola, quem sabe, uma anunciação pelas ruas em alto-falante e poesia nos chamando “Toda população está convidada a vir para a praça...venham”; ou então vai virar um conto erótico que narra a história de duas pessoas e seus corpos trançados em pernas e braços; ou será que pode virar um poema? Será?

Fico pensando que de um-único encontro com o violão descordado nas mãos, irrompeu essa onda poética pelos morros dos Milagres, o que dirá os próximos supetões pelas esquinas? 

Tudo isso pelo gozo guardado.

Louvemos o gozo guardado!



Me chamo Marcela Elisa e sou mãe do Francisco, além de escritora, professora na educação básica e pesquisadora da Linguística Aplicada. Atualmente, moro no sul da Bahia e me dedico a ensinar Língua Portuguesa para a comunidade de Taipu de Dentro, enquanto escrevo meu primeiro livro sobre as experiências de ensinar e aprender pelo Brasil afora.  No mais, gosto de tarot, de ir a shows e de suar na corrida.