Hoje é domingo. Pede cachimbo | Crônica de Marcela Elisa

 por Marcela Elisa__


                                          
Foto: Viollet Genot no Unplash
                                                                         
Estamos há dois meses e meio morando juntos. Só ele e eu. É certo que já moramos juntos há mais de cinco anos, mas assim, só nós dois, é a primeira vez. Por muito tempo sonhei com esse momento e, agora, é realidade. Não, não é mágica. É muito feijão com arroz, diga-se de passagem. Além de leite quente à noite, praia quase todos os dias e umas brigas de vez em quando. 

Sabe, a gente combina quase em tudo. Por exemplo, a areia que fica na roupa de banho depois de um mergulho no mar. É impressionante. Saímos do mar e, imediatamente, queremos vir para casa, tomar um banho e jogar longe aquilo tudo molhado e logo por uma roupa sequinha da silva. Ou ainda, quando acabamos de almoçar e ele vem com a clássica: “não tem um docinho aí, não?”. Então, é isso. A gente vai se combinando nas músicas —ora Marina Sena, ora Jhonny Hooker —, no gosto pela carne moída com batatas e, recentemente, pela pasta de grão-de-bico com pão, tomate e alface.

Dia desses, em um sábado à noite e chuvoso, ele chorou de saudade do agito, do rolê, dos passeios night live que dávamos por aí.  Eu segurei a onda, por dentro também estava desesperada com o silêncio de Taipu de Fora e a vontade que sentia em tomar uma cerveja ouvindo um violão plugado na caixa e vozes da juventude com suas bebidas baratas. Abracei-o por longos minutos até que, quando percebi, já estávamos cochilando, às 8 horas, como em um dia comum de segunda a sexta. Chorei até dormir. 

Domingo, às 04:30 da manhã, ele acorda:

— Mãe, acorda.

— Chico, pelamor, é de madrugada, olha lá fora, está noite. Vamos dormir de novo.

— Mãe, acorda. Um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove, dez, catorze, quarenta. Pronto. Você já dormiu quarenta minutos — diz, sentado na cama, me olhando.

— Chico, eu quero dormir mais, por favor, toma, vê um pouco de desenho no celular — já com culpa materna batendo.

Dois minutos depois.

— Mãe, eu to vendo um clarinho, no vão da porta. Já é dia! Acorda, mãe.

— Ai, quero chorar.

— Mãe, está ouvindo os pássaros? Os pássaros trazem o sol, lembra?

— Hum...

— Mãe, o galo! Agora é de verdade. O galo cantou! Mãe, o galo só canta quando tem que acordar.

São 05:00 da manhã.

O dia começa e não tenho um cigarro para fumar, sentada na rede, enquanto tomo um café e leio o jornal. Lembro que não sou fumante, Chico já está na rede com a Basquet (a gatinha da vizinha) e o jornal não chega em Maraú. 



Me chamo Marcela Elisa e sou mãe do Francisco, além de escritora, professora na educação básica e pesquisadora da Linguística Aplicada. Atualmente, moro no sul da Bahia e me dedico a ensinar Língua Portuguesa para a comunidade de Taipu de Dentro, enquanto escrevo meu primeiro livro sobre as experiências de ensinar e aprender pelo Brasil afora.  No mais, gosto de tarot, de ir a shows e de suar na corrida.