O espelho virtual, crônica de João Gomes da Silva

 por João Gomes da Silva__



Foto de Rodion Kutsaiev na Unsplash


Hoje, me olhei no espelho virtual. Não aquele de vidro, com sua moldura dourada e reflexo sincero, mas o espelho que todos carregamos em nossos bolsos, nas telas brilhantes de nossos smartphones. É nesse espelho que medimos nossa existência, onde nossos laços humanos se desenrolam em cliques, curtidas e emojis. Onde o valor de uma pessoa é calculado em seguidores, e a atenção se tornou a moeda mais valiosa.

Lembro-me de quando as coisas eram diferentes. Quando os abraços eram reais, os olhares profundos e as palavras carregadas de significado. Hoje, somos produtos em prateleiras virtuais, vendendo nossa imagem por um pouco de atenção. A cada postagem, esperamos ansiosamente pelas notificações, como crianças esperando doces na porta da loja. Mas, ao contrário dos doces, essas recompensas virtuais não saciam nossa fome.


Perdemos a importância de estar presentes na vida real. As conversas se tornaram superficiais, os encontros fugazes. Trocamos o calor humano pelo brilho frio das telas. E o que ganhamos com isso? Uma ilusão de conexão, uma sensação efêmera de pertencimento. Mas, no fundo, sabemos que é apenas uma miragem no deserto digital.


Hoje, decidi desligar o espelho virtual. Deixei de contar seguidores e comecei a contar sorrisos. Sorrisos reais, daqueles que iluminam os olhos e aquecem o coração. Sorrisos que não precisam de filtros nem hashtags. Sorrisos que não se perdem no vazio da internet, mas ecoam na memória como melodias antigas.


Talvez eu seja um estranho nesse mundo fútil, uma anacronia digital. Mas prefiro ser uma voz solitária a me perder na multidão de selfies e poses ensaiadas. Quero abraçar, olhar nos olhos, ouvir histórias reais. Quero ser mais do que um perfil, mais do que um número. Quero ser humano de verdade.


Assim, encerro estas palavras digitadas com dedos reais. Vou sair, respirar o ar fresco, encontrar amigos e rir até doer a barriga. Porque, afinal, a vida não é uma timeline. É um presente efêmero, um instante que merece ser vivido com intensidade, sem filtros, sem edições.




J
oão Gomes da Silva
 nasceu no Recife/PE em 1996. Autodidata, é escritor, poeta e social media. Publicou em algumas antologias, como Granja, Sub-21, Capibaribe vivoTente entender o que tento dizer, No entanto: dissonâncias e etc. Edita a revista de literatura e ideias Vida Secreta.