Desgosto | conto de Adriano Espíndola Santos

 por Adriano Espíndola Santos__


Foto de Jr Korpa na Unsplash


Há três semanas falei com Saulo sobre a situação delicada por que estamos passando. Ele não dá mais bola, acha que o problema é todo meu, quando somos filhos de dona Maria. Para justificar, diz que sempre fui o queridinho da mamãe. Não me recordo uma vez que tenha havido tratamento desigual. Ele, sendo o mais velho, alega que o filho mais novo é mimado, e perguntei sobre os seus filhos, no que me respondeu que a nossa cultura familiar, a cultura brasileira, é assim, de distinguir os filhos, ainda mais no meu caso – segundo ele, que nasci cinco anos depois. Saulo mora na Noruega há pelos menos doze anos – faço a contagem por seus filhos, um de dez e outro de oito. Não tem a mínima pretensão de voltar. Fala, como se mamãe tivesse partido, que não quer um puto furado das nossas casas, quando as vendermos. E olhe que ele mudou muito: quando vivia aqui, estava na pindaíba, e eu lhe ajudava; mamãe fazia regularmente a sua feira; até que ele se encantou por uma norueguesa, que veio passar as férias no Brasil, abandonou a faculdade de TI e foi-se embora para a terra prometida, onde, de fato, se estabilizou. Dona Maria, nossa mãe, está com oitenta e um anos, acamada e precisando de cuidados intensos. Já não anda nem fala muito. Pago uma bolada para duas cuidadores se revezarem, e, se não fossem elas, teria abandonado o trabalho e viveria de migalhas. Como disse, não posso mais contar com o Saulo. Ele é um ingrato e renegou a nossa mãe. Não sabe ele que o mundo dá voltas? Já estive muito bem, fui casado, comprei apartamento e carro, e todas as trivialidades que uma boa vida pode proporcionar. Depois de dividir os bens na separação, peguei uma puta de uma depressão e, ao contrário do que se esperava, fui posto para fora do emprego sob a alegação de que seria um “encostado” – por causa da minha inércia mórbida; ora, culpa da depressão. Aí, me afundei mais. São anos de luta, ainda não me sinto plenamente recuperado. Na verdade, não há cura, ainda, para a depressão. O que faço é tomar uns remédios paliativos que enganam o corpo, para reagir. Ultimamente tenho me sentido disposto, afora os dias em que tenho de me dedicar inteiramente à mamãe, que são nos fins de semana. Saulo disse que não teria como ajudar nas despesas, e julga, em sua cabeça dura, que tudo que mamãe tem (duas casas e um carro) ficarão para mim, e que isso cobriria os custos atuais. Ele, sim, é o maior dissabor que tenho na vida. Ao citar o seu nome, começo a chorar, porque foi toda referência que tive: nosso pai morreu novo, quando eu tinha somente três aninhos. Não o odeio; tenho pena. O tempo é voraz, levará a nossa mãe, e logo ele se arrependerá de tê-la abandonado. “Pai, perdoa-o, ele não sabe o que faz”, essa é a minha reza diária, para que Saulo procure a paz derradeira, de estar alguns segundos honrando a nossa mãe.



Adriano Espíndola Santos é natural de Fortaleza, Ceará. Em 2018 lançou seu primeiro livro, o romance “Flor no caos”, pela Desconcertos Editora; em 2020 os livros de contos, “Contículos de dores refratárias” e “o ano em que tudo começou”, e em 2021 o romance “Em mim, a clausura e o motim”, estes pela Editora Penalux. Colabora mensalmente com as Revistas Mirada, Samizdat e Vício Velho. Tem textos publicados em revistas literárias nacionais e internacionais. É advogado civilista-humanista, desejoso de conseguir evoluir – sempre. Mestre em Direito. Especialista em Escrita Literária e em Revisão de Textos. Membro do Coletivo de Escritoras e Escritores Delirantes. É dor e amor; e o que puder ser para se sentir vivo: o coração inquieto. instagram: @adrianoespindolasantos | Facebok:adriano.espindola.3 email: adrianoespindolasantos@gmail.com