Que múltipla rosa vos nos acende casa – …que sintaxe exigente… – Inéditos de Manoel T. R.-Leal

por Manoel Tavares Rodrigues-Leal_




“Mas o poema fala! Tem em memória suas datas, mas – fala. Certamente, ele fala sempre apenas no que lhe é próprio, na coisa que lhe é mais própria.”

“Aber das Gedicht spricht ja! Es bleibt seiner Daten eingedenk, aber – es spricht. Gewiß, es spricht immer nur in seiner eigenen, allereigensten Sache.”

Paul CelanDer Meridian [trad. LBT]



“O homem entra no poema em obra.

Depois de por ali haver entrado,

sumiu-se em esquecimento.”

Fernando Echevarría


*


Dois poemas inéditos


I


Uma data, de tão inscrita e descrita, ladra

morte, nem ampla paz, nem norte.

Vigora este esquema sentado: o ser-se data e meta.

Que múltipla rosa vos nos acende casa.

Em memória data flutua, e data escassa.

Mas vos digo que, despido de mulher, marca esta data e se merecer

mulher já tão habitada, vos habito porque amante instante. Viver agora é morte.

Supus mulher, mais nobre: do cadáver da nossa vida, nem dádiva, nem o menor norte.


Lx. 28-8-76 – de um caderno sem título



             


II


Oh mortal beleza à qual me entrego,

cego, das trevas emergente.

E na disputada pureza, que sintaxe exigente…

Por isso louvei o perecível e a apaixonante espera.


Belas — 20–9–76 — caderno Fragmentos de um livro dividido (Anónimo do séc. XX). Poema escrito durante um internamento na casa de saúde mental de Belas (Sintra — Irmãs Hospitaleiras). «Belas, casa de saúde mental; manicómio para gente fina; uma duquesa iria para ali.» (M. T. R.-Leal)



  


* Poemas coligidos por Luís de Barreiros Tavares


Sobre a sintaxe na linguagem poética de Manoel T. R.-Leal:

https://revistacaliban.net/que-viagem-entre-ser-se-e-o-n%C3%A3o-ser-se-ter-se-a-nudez-b6596c183827




Manoel Tavares Rodrigues-Leal (Lisboa, 1941-2016) foi aluno das Faculdades de Direito de Lisboa e de Coimbra, frequentando até ao 5.º e último ano, mas não concluindo. Em jovem conviveu com Herberto Helder no café Monte Carlo frequentando com ele “as festas meio clandestinas, as parties de Lisboa dos anos 60 e princípios de 70”. Nesses anos conviveu também com Gastão Cruz, Maria Velho da Costa, José Sebag, entre outros. O seu último emprego foi na Biblioteca Nacional, onde trabalhou durante longos anos (“a minha chefe deixava-me sair mais cedo para acabar o meu primeiro livro, A Duração da Eternidade”). Publicou, a partir de 2007, cinco livros de poesia de edição de autor. As suas últimas semanas de vida foram muito trágicas, morrendo absolutamente só.