A passos erráticos, livro de poemas de Ricardo Santos

 por Wellington Amâncio__



A passos erráticos”, novo livro do poeta delmirense Ricardo Santos (Ed. Folheando, 2022) me lembra de imediato o chão sinuoso das pinturas de Van Gogh. Como poucos, descrever um solo movediço, a existência cotidiana, com precisão de palavras e de detalhes de imagens poéticas é o que seguramente se realiza neste livro.

Antes, há duas anunciações importantes: dois belíssimos ensaios de apresentação à obra, por parte da doutora Cristian Sales e do prof. Dr. Márcio Ferreira da Silva (UFAL-Campus Sertão).

O livro de Ricardo consiste de 64 páginas. São 30 poemas em primeira pessoa que tomam a folha quase que de cima a baixo, com suas estrofes fortes e as pausas calculadas do autor, para nos guiar em seu percurso poético, com cadência e senso de exposição retórica, permitindo-nos pensar, ao seu modo de regente, o universo denso que estes poemas carregam. Não é um livro fácil de ler, ainda que seja impossível fechar as suas páginas.

Livro de uma subjetividade impetuosa, pelo efeito metódico da palavra calculada e o jogo metafórica de imagens, tudo é perfeitamente bem pensado a cada frase. Neste, a minha impressão é de estar caminhando por veredas típicas do Romantismo do século XVIII, especialmente me lembra os versos soturnos do austríaco Georg Trakl (1887-1914).

No livro de Ricardo Santos a paisagem nunca anuncia um marco, um ponto geográfico identificável. A paisagem está sempre à disposição do poeta, uma paisagem que observa de olhos grandes, silenciosa e paciente, domada, enquanto ele passa e experimenta existir. Por não haver nomes, estes lugares estão sempre de passagem (como se o que passasse fosse o próprio chão e não os pés do poeta, sempre atrelados a sua própria gravitação). A capacidade deste autor de se debruçar sobre o “si mesmo” do seu “personagem recitante”, “do seu poeta incorporado” para a finalidade precisa deste livro, é impressionante! Ourives de frases em filigranas, Ricardo Santos modula esse tipo agudo e assumido de narrador de versos, como um psicanalista da alma humana.

Em outras palavras, temos um itinerário que explora o si do poeta, enquanto caminha. O lugar do estar do poeta não quer ter um nome, ter uma localização, uma placa, ou não deseja precisar identificação geográficas pelas ruas do município, porque em sua narrativa (um tipo refinadíssimo de exploração das próprias topologias interiores) a paisagem que se cabe no verso é o ser do poeta e isto nos basta.

Li há trinta anos Yacyr Anderson Freitas e Teresina Russo, dois autores incisivos em primeira pessoa. Hoje, após a experiência com Georg Trakl, me deparo com leitura de tamanha fundura e validade, “A passos erráticos”, que pode dizer muito aos sujeitos do tempo presente.



Ricardo Santos
nasceu 1995, em Delmiro Gouveia. É formado em Letras pela UFAL. Ganhou em 1º lugar o I Concurso de Literário da UFAL Campus Sertão, com o conto “O outro lado”. Instagram do autor @kaiolunoo






Wellington Amâncio da Silva nasceu em 1979, em Delmiro Gouveia, Alagoas. É professor graduado em Pedagogia e Filosofia, e tem mestrado em Ecologia Humana. É músico, multi-instrumentista e produtor musical. Publicou-se: Ontologia e Linguagem (2015), Pensar a Indigência com Michel Foucault (2018), Gumbrecht leitor de Heidegger (2019) e Conceito de modo de convivência (2018), além de dezenas de artigos científicos. Em literatura publicou-se: Apoteose de Dermeval Carmo-Santo (2019), O Reneval (2018), O Quasi-Haikai (2017), Epifania Amarela (2016), Distímicos e Extrusivos (2016), Diálogos com Sebastos (2015), Primeiros poemas soturnos (2009) e Elegia da Imperfeição (2001). Editor das Edições Parresia. É membro da equipe editorial da Revista Utsanga — Rivista di critica e linguaggi di ricerca.