Dois poemas de Vitória Gabriela

 por  Vitória Gabriela__


Foto de Jr Korpa na Unsplash


I. dou início a minha andança de costas

com os calcanhares

tropeçando nos passos que já dei

e como se eu fosse transparente

me pedem para orbitar no presente

penso

i am never there. either here

my mind, where is it?

para uma composição que nunca sairá

dessa mania de saltar frases

já que apesar de saber 

que a arte não deve o belo ao mundo

mas sim o contrário 

ainda, às vezes, penso não haver 

beleza na minha tristeza

e que não é por ou a partir 

dela que escrevo

é apesar

apesar do ímpeto ao silêncio

apesar do desejo de fechar as pálpebras

durante a noite e tê-las dissolvidas

pelas ácidas pupilas

eu falo de desvanecer na minha própria 

crônica acrimônia

neste veneno nascido em mim

direcionado ao meu fim

e é também por isso que toda frase 

que vem com possessivo

antes do substantivo

vem enferrujada, carimbada


meu poema

minha escrita

meu verso

nossa vida

seu acerto

meu erro


bernadette mayer disse que falhou 

em aprender a amar os objetos

acredito que aqui descobrimos 

A Mais Bonita Das Falhas

embora eu tema nunca me recuperar 

do assombro que é perceber 

que tudo é coisa 

exceto as coisas

pois as coisas são vidas

não, ninguém trabalha pelo dinheiro

eu penso

mas por aquilo que o dinheiro 

vindo pelo trabalho 

conquista

e então me aparecem 

os obcecados por números em um visor

porquê os números nunca são 

só números

representam um poder que há apenas

entre eles

(o problema é que são muitos)

e o papel nunca é só papel 

porquê ele veio de uma casa específica

e meu assombro

ah, meu assombrinho

é como um filho: só é especial para mim que pari

e eu tenho baby blues infinito.


II. não faz muito tempo

sonhei que falava latim


interpretei não como uma 

estranha linguagem do sub

mas sim um reconhecimento consciente

de que as prosopopeias podem 

até chegar 

perto dos ouvidos que as rodeia

mas soando como 

catacreses


por isso, te peço:

não adentre o amedronto

das fronteiras de meus passos.


portões fecham

para as minhas costas

eu me viro com antecipação

basta-me seu som

seu estrondo ecoando, anunciando 

a abertura de uma estrada

límpida, polida

que inicia-se no final de algo


me ame em ruínas

na complementação de um pensamento

no vão de um dia para o outro 


me veja como o borrão

que somos quando estamos

nesse vagão 


corra não atrás

mas de

seus desejos nascidos 

em momentos que seus ouvidos estiveram desprotegidos


não faz muito tempo

sonhei que falava latim


o medo não me é corpo estranho

no sonho também o senti

posso sim, com certeza, reconhecê-lo

não em algum necrotério

no espelho 


a coragem, essa sim, é rápida como 

o tempo que seus olhos demoram em mim

não a reconheceria

se eu tivesse olhos firmes no que fiz

isso me preocupa

já que ela é tão abrupta, como capturar

a versão sólida sendo eu, tão líquida? 


não faz muito tempo

sonhei que falava latim

você não me entendia

como não entende o que digo aqui.




Vitória Gabriela
 (2002) é autora de Por osmose (Ed.fomento literário, 2022), cronista colunista na Escritor brasileiro, possui material disponibilizado on-line independentemente e também em diversas revistas e cias. Facilmente encontrada 'escrevendo em traços @vivoserispidos (Instagram) de pintura'.