por Marcela Elisa__
Foto de Jr Korpa na Unsplash |
Sou uma mulher de mais de quarenta anos. Além de ser mulher há mais de quarenta, sou mãe solo há mais de dois. E, meu amigo, ser mulher e mãe nesse mundo de meu deus, é faca na garganta. Sei que é papo batido, mas vale a pena apertar esse parafuso mais uma vez, acredite. O mundo todo ainda imagina (e cobra) que a mulher seja a única responsável pelos cuidados de uma criança. Não estou dizendo, aqui, da comida, do banho, do médico, da roupa que não serve, da escola...estou dizendo da dedicação emocional que é criar uma pessoa desde bebê até sei lá quando, o resto da vida?
Bom, como eu ia dizendo, desde que 2024 começou, decidi que meu nome seria liberdade; quase gritei pela janela, aos quatro cantos da Cachoeirinha: Independência ou Morte!! E ainda bem que não o fiz. Se bem que se o tivesse feito, talvez soubesse que conquistaria, sim, certo tipo de independência e, com certeza, morreria. Como morri.
Março chegou e junto dele e do outono, coloquei minha criança nas costas como a carta dA Eremita belissimamente representada pelo Nosotras Tarot, peguei um avião e parti rumo à Bahia. Não pense você que fui uma descabeçada louca desvairada. Tinha emprego com carteira assinada, casa para morar e tudo nos conformes, até a página dois. Porque ser mãe sozinha no meio do areial, sem transporte público e com pouco dinheiro, custou a mim uma dedicação e fé imensuráveis para conseguir completar o final dessa caminhada.
Logo de manhã, às cinco e pouco, acordávamos a fim de pegarmos o ônibus para a escola. Sou professora, não sei se eu disse. Mas se eu não disse, estou dizendo. Se tem uma coisa que sou, é professora. Continuemos. Depois de me arrumar, preparar o café da manhã e cuidar do meu menino, vestíamos a capa de chuva, as galochas, pegávamos as mochilas, garrafas d’água e saímos, corajosos, frente a chuvarada que fazia por lá naqueles meses. Andávamos cinquenta metros, cabeça baixa para que a água (junto da areia) não entrasse nos olhos. Logo adiante, uma poça. Não uma poça como você está acostumada, não. Uma poça gigante, até os joelhos; pega a criança no colo, a mochila dela, as minhas coisas, junta tudo num abraço forte e vai. Atravessávamos determinados essa e outras poças e desventuras que enfrentávamos e isso não era nem sete da matina! Num desses dias, enquanto chorava e reclamava com Deus esses desafios, meu garoto bateu a mãozinha nas minhas costas e disse: Mãe, você consegue fazer coisas difíceis.
Desabei.
Mas me aprumei e é aí que entra a fé. Não estou aqui tentando te convencer de algum salmo ou dizer que a fé move montanhas e tal, mas posso te garantir que ter fé que aquilo tudo nos banharia com algum aprendizado, me carregou para permanecer nessa aventura até onde aguentei. Uso essa palavra, “aguentar”, pois lutei muito, você nem imagina. Tanto para ofertar uma vida para mim e para meu filho, uma vida interessante, vívida, bonita e verdadeira, quanto para acreditar que se houvesse outro caminho, que fosse me mostrado. Nesse nível mesmo. Joelho no chão, banho de mar, vela acesa e muito cotidiano na veia. E hoje, estou aqui para te dizer que desistir, às vezes, é ouro.
Venho, direto da minha roça, há mais de 1500 km de distância de onde narrei essa experiência, para falar que continuo com meu filhote no lombo, mas não só no meu. Tem o lombo do pai, dos avós, do tio, da escola, da tia Raquel e de tantas outras pessoas que são responsáveis pelo bem-estar de uma criança. Venho dizer que continuo professora, sempre serei. Venho dizer que é muito bom fazer lar dentro de nós, mas como é bom ter uma casa para chamar de sua, na qual todo quadro ou desbotado na parede te dá contorno de quem você é. Não estou aqui para te dizer: não vá. Só estou contando que ir é bom para voltar depois, com outros olhos. Tenho olhos novos, acredita?