Passe bem | conto de Adriano Espíndola Santos

 por Adriano Espíndola Santos__


Foto de Jr Korpa na Unsplash


Por coincidência, encontrei Silvana no supermercado. Fazia oito anos ou mais que não nos víamos. Depois que nos separamos, perdemo-nos nessa cidade torta. Não sei onde ela mora especificamente. Tampouco tenho interesse de saber. Foi uma situação estranha, porque tentei me esconder num pequeno supermercado, entre as gôndolas, como um menino maligno. Corri para comprar tudo o que dava, para sair logo do local. Era imprescindível que o fizesse o mais rápido possível, ou entraria em pânico. Na hora em que estava no caixa, ela estacionou o seu carrinho exatamente atrás do meu. Abriu um sorriso e disse que fazia muito tempo que queria saber notícias minhas etc. e tal. Passei uns tantos minutos anestesiado. Tentei esboçar algumas palavras, mas ela, sempre tagarela, emendava uma história na outra. Não sabia onde enfiar a minha cabeça. Um dos motivos para não nos encontramos nesta cidade é que fui a Portugal logo depois da separação. A intenção era morar lá, fazer uma nova vida. Ainda que minha mãe estivesse doente, teria de ir, respirar novos ares, para, logo em seguida, levá-la comigo. Inscrevi-me num mestrado. A intenção não era enveredar na carreira acadêmica, mas o visto de estudante me daria fôlego para permanecer e pensar em alternativas. A travessia se tornou longa, porque tive de ficar em Portugal durante dois anos, que mais pareceram uma eternidade. Só arranjei empregos ruins, como garçom, garçom e garçom. Não havia – ou ainda não há – muitas oportunidades para estrangeiros. Mesmo qualificado para dar aulas de Português – veja só, ensinar Português para portugueses –, era impensado fazê-lo no país. Fui rechaçado por duas instituições de ensino médio (que lá tem outro nome), porque precisaria de um mestrado, no mínimo, para concorrer às vagas. No meio da viagem, recebi uma mensagem no Facebook, de alguém tentando conversar comigo, e era justamente da minha ex-mulher. “Olha quem eu encontrei…”. Só consegui ver esse mínimo trecho. Apaguei a mensagem, sem sequer abrir. Depois que ela resolveu sair de casa, tomei vergonha e não aceito mais migalhas. Ela, muito exigente, queria um ser perfeito, e encontrou um homem sério e comprometido, cheio de defeitos, como todo ser humano. Dizia que eu não tinha a maior qualidade que ela considerava: a ambição. “Você não quer crescer… Fica nesse mundinho sem sal…”. Ouvi poucas e boas nos cinco anos de casamento. No supermercado, consegui só perguntar se ela estava bem. Veio me relatar uma lauda de um relacionamento maravilhoso que vivia. Quando perguntou se eu estava casado, disse que sim – ainda que não estivesse –, e: “Passe bem”. Paguei as minhas compras. Baixei a cabeça, rumei teso ao carro, onde pude chorar.




Adriano Espíndola Santos é natural de Fortaleza, Ceará. Em 2018 lançou seu primeiro livro, o romance “Flor no caos”, pela Desconcertos Editora; em 2020 os livros de contos, “Contículos de dores refratárias” e “o ano em que tudo começou”, e em 2021 o romance “Em mim, a clausura e o motim”, estes pela Editora Penalux. Colabora mensalmente com as Revistas Mirada, Samizdat e Vício Velho. Tem textos publicados em revistas literárias nacionais e internacionais. É advogado civilista-humanista, desejoso de conseguir evoluir – sempre. Mestre em Direito. Especialista em Escrita Literária e em Revisão de Textos. Membro do Coletivo de Escritoras e Escritores Delirantes. É dor e amor; e o que puder ser para se sentir vivo: o coração inquieto. Instagram: @adrianoespindolasantos | Facebok:adriano.espindola.3 email: adrianoespindolasantos@gmail.com