por Joaquim Cesário de Mello__
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CEMITÉRIO VIVO DAS COISAS MORTAS
Sou a soma daquilo que perdi
e trago em mim este amontoado de ausências
Em minha alma há mais silêncios
do que a calada mudez do universo
Ao nascer perdi o útero
mas ganhei o peito materno
Ao crescer perdi o peito
mas ganhei a autonomia dos meus passos
No afastar do colo da minha mãe
ganhei o mundo e um punhado de calos
Para cada ciclo vivido
vou levando minhas perdas
E para chegar lá...
perdi o que tinha
...no lado de cá
Não há ganhos sem perdas
E o que seria das minhas tantas perdas
não fosse esta porção de certos ganhos?
É perdendo que me recordo
e é me recordando que construo
os tijolos da minha história
Há perdas saudáveis
Há perdas dolorosas
Existem perdas esperadas
perdas necessárias
perdas repentinas
perdas precoces
perdas tardias
e perdas adiadas
A vida é toda feita de perdas
pois sem perdas não teria a vida
Perdi o útero
larguei o seio e o colo
Perdi a infância
e o rapaz me deixou
Sumiu a juventude
desapareceu o primeiro amor
Deixei o colégio
e o sonho de ser cantor
E lá se foram
meu cavalo de aço
minha calça boca sino
e meus longos cabelos encaracolados
Se não fossem alguns retratos
teria apenas as paredes esburacadas das lembranças
E já que sou toda a soma de tudo o que perdi
então minha memória é um cemitério vivo
assombrado pelos fantasmas das coisas mortas
O SEGUNDO QUE SE EXTRAVIOU DA HISTÓRIA
Um segundo me chegou um segundo atrasado
e já havia outro segundo em seu lugar
Sem saber o que fazer e para onde ir
meu segundo tardio tentou voltar pra trás
mas segundos não foram feitos para voltar
apenas e tão somente passar
Proscrito dos relógios
o segundo órfão dos meus horários
vagou pelo tempo do esquecimento
à procura de uma outra vida
que pudesse por um segundo lhe adotar
Triste o destino dos segundos
que nenhuma memória deles vai lembrar
pois um segundo perdido muda o rumo das coisas
e eu poderia ter conhecido Maria
ao invés da minha esposa
ou ter ficado solteiro
não ter tido filhos
nem saber o que é ser avô
e agora estaria morando solitário
em um apartamento de 50 metros quadrados
criando cachorros e dois peixinhos no aquário
Pensando bem
devo a este segundo extraviado
todos os anos que tive desde então
daquele dia em ele perdeu a hora
do minuto em que por um segundo
minha vida inteira se transformou
APRENDIZ DO ERRO
Quem eu amo se culpa
quando falha ou erra
pois para ela o erro deve ser punido
como alguém que tira nota baixa
por não ter acertado toda prova de Matemática
Já eu, não
Pra mim errar é humano
por isso todo erro é bem-vindo
pois é no erro que aprendemos
e aprendendo avançamos com a nossa humanidade
O que seria do acerto
se não houvesse o engano
o correto sem o incorreto
e o verdadeiro sem o falso?
Sou quem sou
porque errei
vacilei, bobeei
tropecei, mas segui em frente
A culpa, porém
prende-nos no passado
e não nos ensina nada
Sou um aprendiz do erro
graças a ele me formei
no marido que sou
no profissional que sou
no pai e avô que sou
Quem não quer falhar
nem sequer às vezes errar
é só nada fazer nada
todavia não fazer nada
é também errar
Alguém já disse
que a verdade é o acidente do erro
enquanto para Freud
é errando que se descobre a verdade
Assim
erro porque fui feito para errar
porém é errando que se aprende
exceto quem insiste em ser analfabeto
e continua no mesmo erro, sem se adiantar
Sou um aprendiz do erro
e diante disso estou
a acometer novos erros
novos desacertos
novos equívocos
e novas falhas
para cada vez mais melhorar
Sou um aprendiz do erro
e é nele que vou me aventurar