Poemas do livro Quando a língua bate, de Patricia Peterle

por Patricia Peterle__



             
II Fetos Fósseis



 Delirante cena da vida


Você se vê vagando no meio dos cães

como vão para longe

cavam desesperadamente a terra

para encontrar uma proteção

afundar o osso naquele delírio

voraz de velar o osso

na vitrine da terra.


É também essa a tua tentação

frear a cena da vida

detê-la numa lenta ocasião

para sempre perdida







Rasgando a cena do real


Depois mexemos nas panelas

a casa é a tua

garfos e facas caem da mesa

cascata de metais

(eco)

rasga a cena do real


O corte incandescente de Burri

ferida aberta

não cicatriza

convida evoca

diante do tormento da matéria







Acordo viva

os pés se mexem

tudo anestesiado e sopros

tudo suspenso nas texturas dos cheiros 

só o roçar no lençol

no escuro ao redor e sopros

ao longe poucas luzes

batem na cortinha vermelha

faz frio

neste parto desfeito







A poça na fossa

a fossa no poço

no fosso o nosso

osso nu







Fetos fósseis




Depois da frágil campânula

a baga começa a despontar

negra como pupila

caem as folhas ficam as gemas


Sob a lua são chifres de um imaginário animal

os galhos do pessegueiro perto da garagem

carregados de botões rosas


Do lado de cá nesse corpo outro

nesse pé despido pela estação 

tecidos vasculares se articulam

o verde cresce retorcido

as espirais do tempo rodopiam







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Patricia Peterle nasceu em São Paulo, cresceu no Rio de Janeiro e mora em Florianópolis. É crítica literária, tradutora e professora de literatura italiana da Universidade Federal de Santa Catarina e poeta. Traduziu vários poetas e autores italianos. Escreveu e organizou diversos ensaios publicados no Brasil e na Itália. Seu livro mais recente é À escuta da poesia que saiu em 2023 pela Relicário. Outros livros são no limite da palavra: percursos pela poesia italiana (2015), Vozes: cinco décadas de poesia italiana (2018), A palavra esgarçada: poesia e pensamento em Giorgio Caproni (2018). Seus poemas foram publicados nas revistas Acrobatas,MallamargensRuído Manifesto, na galego portuguesa Palavra Comum, na revista italiana Smerilliana. Publicou em 2024 Perdi meu peão, mas aceito jogar pela editora Quelônio e Quando a língua bate, pela 7Letras.