Se houvesse mesmo inferno | crônica de João Gomes da Silva

 por João Gomes da Silva__



Foto de Michele Bitetto na Unsplash


Sempre me pergunto por que temos essa dificuldade absurda de aceitar que, depois que morremos, acaba. Puf, fim de jogo. Parece que o ser humano tem uma aversão a ponto final, né? Sempre quer botar uma vírgula, um parêntese, um rodapé... e olha, se tem uma coisa que eu adoro é um rodapé! Mas pra vida? Será que precisa mesmo?


Acho que é uma coisa meio cultural. A gente cresce ouvindo aquelas histórias de inferno, céu, purgatório... como se o universo fosse um grande tabuleiro espiritual. Tem gente que jura de pés juntos que vai passar a eternidade num resort celestial, com direito a harpa e tudo. Outros já se conformam com um condomínio de fogo eterno. E eu fico pensando... E se não houver nada disso?


Se a gente realmente ganhar uma “morte definitiva”? Assim, tipo quando desligamos o videogame e o personagem morre para sempre? Aí vem a galera: “Ah, mas e o sentido da vida?” Eu digo: “Ué, a gente tá vivendo ele agora!” Nós não precisamos de uma continuação, uma trilogia espiritual.


Olha, não sei vocês, mas acho que se o inferno existir de verdade, não vou estar queimando lá sozinho. Vai ter tanta gente comigo que poderemos até organizar uma festa! Já imaginou? O diabo DJ, tocando uns clássicos, enquanto dançamos ao redor da fogueira. Será uma rave eterna!


E se realmente não houver nada depois? Tudo bem! Viveremos em um mundo onde tudo tem que ter um propósito, uma função, um “porquê”. E se, só por um momento, aceitássemos que viver é o próprio propósito? Que a vida é um grande happening artístico, onde cada um faz o seu show, dá o seu recado, e depois, tchau e benção!


Acredito que o problema é que temos essa mania de querer controle sobre tudo. Alô, ansiedade? Mas o que é a morte senão a última grande entrega, o último “tá na mão de Deus”? Passamos a vida tentando evitar o inevitável, mas quando chega a hora... bom, chega a hora.


E tem mais uma coisa. Esse papo de inferno, céu, vida eterna... isso tudo me soa como um grande esquema de marketing, sabe? Como aquela propaganda que promete que se você comprar agora, ganha um brinde exclusivo! Só que o brinde é uma eternidade num lugar que ninguém voltou pra contar como é. Meio suspeito, né?


Talvez o grande segredo seja pararmos de nos preocuparmos tanto com o que vem depois e começarmos a valorizar mais o agora. Viver o presente com intensidade, rir das nossas próprias bobagens, amar sem medidas. Porque se existir o depois, que ótimo! E se não estiver... bom, a gente fez a nossa parte enquanto estava aqui, e isso já é um grande feito.


E se houver inferno... bom, pelo menos vai ter companhia de sobra pra rir de toda essa situação absurda!




J
oão Gomes da Silva
 nasceu no Recife/PE em 1996. Autodidata, é escritor, poeta e social media. Publicou em algumas antologias, como Granja, Sub-21, Capibaribe vivoTente entender o que tento dizer, No entanto: dissonâncias e etc. Edita a revista de literatura e ideias Vida Secreta.