A Cultura enxerga o mundo com outros olhos | Crônica de João Gomes da Silva

 por João Gomes da Silva__


Foto de Jean Carlo Emer na Unsplash


Cultura é aquilo que falamos com a boca cheia, mas muitas vezes digerimos mal. Porque o que é cultura, afinal? Um bicho de sete cabeças? Uma palavra esquisita que apenas os profissionais das artes utilizam? Ou será que é um negócio que está aí no cotidiano, escondido entre uma frase feita e um pedaço de pão dormido? Talvez, na minha simplória concepção de mundo, cultura seja um pouco disso tudo. Um conceito moldável, que se adapta ao gosto do freguês, mas que, quando mal usado, vira arma. E das perigosas.


Muitos pensam que cultura é só coisa de gente chique, de quem frequenta museu e lê livros difíceis. Balela ao quadrado. Cultura é o que está em volta, é o caldo onde a gente mergulha cotidianamente, consciente ou não. É algo não restrito aos círculos artísticos ou intelectuais, mas sim uma realidade presente na ancestralidade, nas interações sociais e nas práticas mais simples.


Mas quem decide o que é cultura de verdade? Quem define o que vale ser preservado e o que pode ser jogado fora, como quem escolhe o que vai para o lixo reciclável? É aqui que a coisa complica. No fundo, essa tal de cultura é uma faca de dois gumes. Pode servir para iluminar, abrir horizontes, expandir consciências. Na chamada indústria cultural é instrumento de dominação, uma forma de moldar mentes e amansar corações, de nos fazer engolir verdades prontas como quem toma remédio amargo sem questionar.


Vivemos em um país onde a cultura é, ao mesmo tempo, rica e miserável. Rica na diversidade, na multiplicidade de vozes, cores, sons. Mas miserável na falta de preservação, incentivo e reconhecimento. Parece que, por aqui, virou sinônimo de supérfluo. Algo que se consome se sobrar tempo, depois do trabalho, das contas pagas, da vida apertada que a gente leva. Onde um livro é caro, mas um balde de cerveja não. É como se o conhecimento fosse luxo, e não necessidade.


E aí perdemos a capacidade de sonhar, de imaginar um mundo diferente do que nos é imposto. Viramos massa de manobra, consumindo o que nos empurram sem reclamar, sem pensar. Por isso que ser culto incomoda tanto. Para quem detém o poder, é perigoso. É muito mais fácil controlar um povo que não lê, que não vê, que não ouve, que não questiona. E claro, a cultura e a educação, irmãs inseparáveis, trilham juntas o caminho da humanização.


No fim, é a armadura que protege a alma. É o que nos conecta com o passado, mas também com o futuro e nos diferencia, mas também o que nos une. Porque, por mais diferentes que sejamos, todos temos algo a contar, uma música para ouvir, um livro para ler, uma ideia para debater. E nisso reside a real beleza: na sua capacidade de nos transformar, de nos elevar, de nos fazer enxergar o mundo com outros olhos.


Então, o que é cultura? O que nos define, mas também o que nos desafia e nos conforta, mas também o que nos provoca. O que nos faz rir, chorar, pensar… É o que nos mantém vivos, no sentido mais amplo da palavra. Por isso, mais do que nunca, precisamos defendê-la, protegê-la, cultivá-la. Porque, sem ela, a gente perde a alma. E, sem alma, o que sobra?





João Gomes da Silva nasceu no Recife – PE em 1996. Autodidata, é escritor, poeta e social media. Publicou em algumas antologias, como GranjaSub-21Capibaribe vivoTente entender o que tento dizerNo entanto: dissonâncias, etc. Edita a revista de literatura e ideias Vida Secreta.