Apolo e Dafne — Não é não! | conto de Grecianny Cordeiro

 por Grecianny Cordeiro__



                                                           
                             
            Nem todos os humanos têm a sorte de encontrar o amor; outros, quando encontram, nem sempre têm o privilégio da reciprocidade. Com os deuses, as coisas também aconteciam de modo semelhante.

Apolo, o deus das profecias, da música, do canto, da lira, das artes, o condutor das Musas, apesar de sua extrema beleza, nunca teve sorte no amor. 

Muitos foram os seus amores não correspondidos. 

Muitos foram os amores perdidos.

Em dada ocasião, Apolo fez uma série de provocações a *Cupido, quando este fazia uso de suas flechas, lançando dúvidas sobre o poder das armas empunhadas pelas mãos daquele a quem considerava um simples menino. Sentindo-se ultrajado com o insulto, Cupido mostrou-se decidido a provar seu valor àquele deus tão cheio de si.

Aproveitando-se de um momento da distração do deus das profecias, Cupido tirou duas flechas de sua aljava. Uma delas, a de ouro, atraía o amor; a outra, de chumbo, o repelia.

Sabendo que Apolo estava interessado pela bela ninfa Dafne, a filha do deus-rio Peneu, que adorava correr livremente pelos bosques de loureiros, completamente avessa a qualquer relacionamento amoroso, Cupido disparou contra ela a flecha de chumbo. 

Ainda dando prosseguimento a sua desforra, Cupido lançou a flecha de ouro contra o coração de Apolo. 

Perdido de amor por Dafne, Apolo passou a cercar a amada, fazendo uso de todas as artimanhas de que era capaz um ser apaixonado, tentando persuadi-la a com ele se unir. O deus tocou a lira e cantou uma bela canção, mostrou-se belo e radiante, apresentou-lhe um encantador cortejo das Musas... Em vão. Nessas circunstâncias, já tomado pelo desespero, o deus mudou de estratagema e decidiu persegui-la pelos bosques, a fim de tomá-la à força.

Quanto mais a ninfa fugia, mais o deus a desejava.

— Por favor, não fuja de mim. Deixe que eu me aproxime e me mostre a você em todo o meu esplendor. Sou filho de Zeus. Tenho vários atributos e sou adorado em diversas cidades. Não despreze este pobre deus apaixonado, radiante ninfa!

Entendendo que não conseguiria escapar das garras do nume que tanto lhe causava repulsa, Dafne retomou o fôlego ao ver uma clareira e deparou o rio de sua infância e de toda a sua vida. Pediu socorro ao pai:

– Por favor, meu pai, eu imploro: livre-me desse deus inconveniente que tanto me persegue!

— De quem está falando?

— De Apolo.

O pai fez uma careta de desagrado. Não era nada prudente afrontar um deus da magnitude de Apolo. Por outro lado, sempre desejou que sua filha se interessasse por alguém para dar continuidade à sua linhagem. Para sua contrariedade, há muito Dafne optara por viver sozinha, em plena liberdade, tal como a deusa caçadora Ártemis, a quem cultuava. Depois de tanto pensar, Peneu encontrou a solução:

— A única maneira de fazer isso será metamorfoseando você, minha filha.

— Por quê?

— Fugir de Apolo será impossível, além do que, sua beleza sempre atrairá olhares de luxúria dos deuses. Tem certeza de que quer isso?

— Que seja. Não suporto mais ser assediada. Isso é um tormento. Não tenho um minuto de sossego!

— Farei então a sua vontade. Não se preocupe.

Nesse momento, Apolo ressurgiu resplandecente diante da jovem Dafne, que, sem esperar qualquer atitude do pai, movida pelo instinto de defesa, passou a correr para se livrar das investidas do insistente imortal.

Tão apavorada estava que, ao olhar para trás, de modo a se certificar de que guardava uma distância segura do deus, viu-o prestes a alcançá-la. Tomada pelo nervosismo, Dafne tropeçou em uma pedra e caiu. Ela percebeu-se, então, impotente. Havia perdido aquela batalha. Quando Apolo, no entanto, se aproximou para tocá-la, Peneu, que a tudo assistia, transformou a amada filha em um loureiro.

Foi com imensa tristeza que Apolo viu Dafne ter o belo corpo coberto por uma casca; seus reluzentes cabelos foram transformados em verdejantes folhas; seus pés tornaram-se raízes fincadas no chão. Ele nada pôde fazer para impedir. 

Apolo ficou frustrado. 

Era mais um amor fracassado. 

Era mais uma decepção sofrida por não ser correspondido em seus sentimentos. Quão terrível era amar e não ser amado! Disso ele entendia muito bem.

— Apesar de tudo, querida Dafne, continuo e continuarei a amá-la, e, como prova do meu amor, em sua homenagem, farei do loureiro a minha árvore preferida. Usarei suas folhas como uma coroa em minha fronte e as enfeitarei em minha lira e aljava, simbolizando todos os meus triunfos, por toda a eternidade — falou o deus por entre lágrimas.


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* Cupido (ou Eros) era filho de Afrodite e de Ares. Apaixonado por Psiquê, Afrodite não concordou com a relação e submeteu a moça a terríveis provas. Por fim, Zeus tornou Psiquê imortal. O casal teve por filho a Volúpia.




Este é um conto do livro “Contos da mitologia grega”, publicado pela Caravana Grupo Editorial e pode ser adquirido neste link: clica aqui







Grecianny Cordeiro — é Escritora e Promotora de Justiça. @greciannycordeiro | greciannycarvalho@gmail.com