Breve Inventário de Pequenas Solidões, de Tiago Feijó

 por Taciana Oliveira___




Breve Inventário de Pequenas Solidões” (Penalux,2024), de Tiago Feijó, é uma reunião de contos que explora as sutis e profundas formas de solidão que permeiam a experiência humana. O livro é composto por dez contos, cada um abordando diferentes aspectos da solidão e das relações. O autor utiliza uma variedade de narrativas para abordar temas como a busca pela liberdade, o amor impossível e a introspecção sobre a própria existência. Cada conto é uma peça única que contribui para o panorama do livro, criando um mosaico de experiências e sentimentos.


Em um “O Destino de Beethoven” um pássaro é capturado e colocado em cativeiro. Através da sua história, é explorada a tensão entre a liberdade e a prisão, apresentando a luta interna do pássaro e a sua eventual libertação por uma jovem vizinha. A história encerra com uma reflexão sobre a vulnerabilidade dos seres vivos e a realidade brutal da natureza. O conto “Solenemente” explora temas como o abandono e a lealdade incondicional dos animais, que, mesmo na morte, permanecem ao lado de seu dono. A narrativa é marcada por um crescente suspense, que culmina em uma descoberta triste e melancólica, refletindo a vida de um homem que, apesar de sua solidão, encontrou companhia e afeto em seus cães.


 “Ele é só um menino” retrata o efeito das circunstâncias pessoais e familiares na tomada de decisões. Um entregador reflete sobre sua vida difícil, a perda de seu irmão e a iminência de se tornar pai, reforçando sua decisão de não se envolver em atividades criminosas. A narrativa ilustra a profundidade das escolhas morais diante da adversidade e a importância de manter a integridade pessoal, especialmente quando se é confrontado com a influência da inocência e da responsabilidade futura.


“O Condenado” apresenta um personagem que lida com o isolamento e as consequências de suas ações. A história explora a trajetória de um homem que escolhe uma forma extrema de autopunição ao se isolar em uma casa que ele próprio transformou em cela. Este ato reflete um desejo de expiar sua culpa e de enfrentar as consequências de seus crimes. As memórias de um acidente e o sentimento de responsabilidade pelo ocorrido atormentam o personagem, levando-o a buscar uma forma de punição que ele considera justa. A transformação do imóvel em uma prisão simboliza o seu estado mental e o desejo de se isolar do mundo. 


“Nossos Mortos” concentra-se em um almoço de domingo, onde mãe e filha preparam e compartilham uma refeição em memória do falecido pai e da avó. A narrativa é marcada por uma atmosfera de saudade e aceitação, enquanto elas, com naturalidade e carinho relembram as preferências alimentares paterna. A filha, em um gesto de nostalgia, recria a maneira como seu pai costumava comer, e as duas mulheres conversam sobre as lembranças que ligam a comida à presença dos entes queridos que já se foram. Apesar de tratar de perdas e doenças, o conto não transmite tristeza ou sofrimento, mas uma sensação de paz e completude através da reconexão com o passado e com a memória dos mortos.


“Dueto” é dividido em quatro partes: “1ª Parte”, “Os olhos súplices no retrovisor”,2ª Parte” e “Como é que se diz eu te amo?”. Cada parte revela diferentes facetas de uma relação, desde os olhares e gestos não ditos até os momentos de confronto e reconciliação. O título “Dueto” sugere a ideia de um diálogo constante entre os personagens, onde as palavras e os silêncios têm igual peso. A conclusão é uma reflexão sobre a comunicação e o entendimento mútuo nas relações humanas.


O “Instante Infinito de Paz” oferece uma visão íntima e comovente da paternidade em momentos de crise. A representação do desespero do pai, o processo de tratamento da filha exploram a tensão entre o medo e a esperança, e como a recuperação pode trazer um sentimento profundo de paz e alívio, mesmo após um período de extrema angústia.  Telefonema” gira em torno de uma ligação que revela segredos e sentimentos ocultos entre os personagens. A história mostra como uma comunicação simples pode desenterrar verdades e mudar as dinâmicas pessoais.


“A anônima Maria Auxiliadora de Jesus” é uma mulher que dedica sua vida à poesia e à sua família. O conto segue a personagem da infância até a velhice, mostrando sua devoção e de como a poesia molda sua vida. O texto é um tributo à dedicação e ao amor pela arte, apesar da falta de reconhecimento externo. Na “Balada do Impossível Amor Através das Páginas”, o conto que encerra a obra, revela um relacionamento impossível entre uma personagem de um livro e seu leitor. A história explora a frustração e a tragédia de um amor não correspondido, destacando a tensão entre a ficção e a realidade. É uma narrativa que utiliza a metáfora literária para explorar temas profundos de amor, desejo e a limitação das relações destinadas a não acontecer. Uma reflexão sobre a natureza do amor não correspondido e a dor de um relacionamento impossível, capturando a essência da tragédia e da beleza de tais sentimentos.


“Breve Inventário de Pequenas Solidões” é uma obra que convida o leitor a ponderar sobre as várias formas de solidão. Tiago Feijó proporciona uma escrita pungente, explorando temas universais com uma sensibilidade incomum. Ele demonstra uma habilidade notável em capturar a simplicidade e profundidade da vida cotidiana. Seu estilo é marcado por uma sutileza que revisita a nostalgia e o conforto da memória. Tiago oferece uma prosa poética para descrever os pequenos momentos e os gestos diários, carregados de um significado emocional. A forma como ele constrói o ambiente e os diálogos traduzem uma atenção minuciosa aos detalhes, criando um cenário íntimo e tangível que permite ao leitor sentir a presença dos personagens e a intensidade das suas emoções. O autor consegue transformar o comum e o trivial em algo profundamente significativo, explorando temas de perda, memória e o valor dos rituais cotidianos. A escrita de Feijó é marcada pela delicadeza e pela capacidade de refletir sobre o impacto das pequenas coisas na vida das pessoas, levando o leitor a uma experiência existencial e emotiva.




Tiago Feijó é professor e escritor. Formou-se em Letras Clássicas pela Unesp. Venceu o Prêmio Ideal Clube de Literatura 2014. É autor dos livros “Insolitudes” (7letras, 2015), “Diário da casa arruinada” (Penalux, 2017), finalista do Prêmio São Paulo de Literatura, e “Doze dias” (Penalux, 2022). Tem textos publicados em diversas antologias, revistas e blogs de literatura.








Taciana Oliveira — Natural de Recife–PE, Bacharel em Comunicação Social (Rádio e TV) com Pós-Graduação em Cinema e Linguagem Audiovisual. Roteirista, atua em direção e produção cinematográfica, criadora das revistas digitais Laudelinas e Mirada, e do Selo Editorial Mirada. Dirigiu o documentário “Clarice Lispector — A Descoberta do Mundo” Publicou Coisa Perdida (Mirada, 2023) livro de poemas.