por Luiz Carlos Lacerda__
Repetindo nessa imagem, também surrealista, a atmosfera de chiste inaugurada e recorrente na Obra de Mário de Andrade: “ Todos riam do silêncio/e era o início do concreto,/era a noite sem vaga-lumes.”
Assume essa gangorra de indefinidos limites entre o desespero e o lúdico: “Não enxergo o arco-íris/que cerca o paraíso,/mas desconfio que/anjos dancem na chuva.”
O que escreve é Prosa ou Poesia? Prosa poética ou um diário íntimo inundado de "poesis", como Gide fez no seu Journal e Lúcio Cardoso e Walmir Ayala fizeram em seus Diários? E logo se define: “Costuro frases, /faço da ofensa poesia.”
Como Clarice diante do estertor do mundo que se despedaça ao seu redor: “Não articulo saudações líricas./Não deixo recados para o futuro./Não admiro leões no zoológico./Não vendo ofertas na vitrine.”
E reitera numa espécie de ex-libris existencial:“Dispensei a saída de emergência,/ando sempre à margem.”
Declarando seu ofício de Poeta no verso “ Vagueio pela memória/a procurar quintais.”
Uma Poesia que reafirma sua incapacidade de qualquer enquadramento (como o citado Ginsberg da Beat Generation) porque: “Não sei fazer haicais,/não danço,/ando na contramão,/tenho os bolsos vazios.”
Como Rimbaud, como Baudelaire, como o cearense Carlos Emílio. Não sabendo deixar de “perder a ternura”, como uma geração inteira disfarçou seu desencanto com o desmoronamento das utopias, pois: “ O que eu não tenho mais/O vento empurrou para dentro das gavetas/ou a tristeza tomou sem pedir desculpas.”
E perplexa, com pressa de chamar de vida outra vereda, questiona:“ Até quando essa água vai/escorrer pelos meus olhos?”
É a serena desesperada que se definiu Cecília, num momento em que se deixou escapar de seu lirismo. Apoiada no testemunho, Taciana sabe que “memória é uma gaveta de entulhos/um quarto úmido, um dente quebrado/uma terra seca, um rio sem barco.”
Observa seu Tempo sem o panfletarismo fácil que afasta a Poesia, maculada por bandeiras imediatistas desfraldadas, e nos propõe “Subverter lógicas /ampliar navios/dissecar versos/vísceras /Brasil.”
Sem o moralismo do “tudo bem”, antes do Manifesto de John Lennon declarando que o sonho acabou, assassinado em seguida. Porque ela não sabe disfarçar que “Tudo que é música escorre no sangue”, e “Volto ao samba mergulhado na tristeza.”
E ainda: “Os vaga-lumes estão mortos./Todos estão mortos!”
Numa talvez inconsciente evocação do poema de Cecília sobre a morte do vaga-lume:
“Quebrou-se a máquina breve.
E o maior sábio do mundo
Sabe que não a conserta.”
Mas manuseia com suas mãos de fada a pretensão de “Arrancar os pregos./Pintar o limo das paredes./Afogar o desespero no ralo./Suspender as misérias diárias.”
Mas sem acreditar nos manuais que vendem esperanças baratas. Um livro IMPERDÍVEL com a belíssima capa de João Oliveira Melo.
*Taciana Oliveira — Natural de Recife–PE, Bacharel em Comunicação Social (Rádio e TV) com Pós-Graduação em Cinema e Linguagem Audiovisual. Roteirista, atua em direção e produção cinematográfica, criadora das revistas digitais Laudelinas e Mirada, e do Selo Editorial Mirada. Dirigiu o documentário “Clarice Lispector — A Descoberta do Mundo” Publicou Coisa Perdida (Mirada, 2023) livro de poemas.