Na cuca de cada um há um mundo inteiro | crônica de João Gomes da Silva

 por João Gomes da Silva__


Foto de David Werbrouck na Unsplash


Falar de saúde mental é um baita desafio, especialmente em um país como o nosso, onde a diversidade é a regra e as realidades se chocam a cada esquina. Imaginem a diferença entre um brasileiro de classe média, que tem acesso à terapia, a medicamentos e a uma rede de apoio, e a de uma brasileira periférica negra, que vive em um ambiente hostil, sem oportunidades e cercada pela indiferença? É comparar um jardim florido com um terreno baldio. Os dois poderiam compartilhar da mesma semente, mas as condições para ela florescer são completamente diferentes.

Primeiro, precisamos falar do padrão, aquele que a Organização Mundial da Saúde (OMS) gosta de usar como régua. Para eles, saúde mental é um estado de bem-estar no qual o indivíduo realiza suas habilidades, lidando com o estresse normal da vida, trabalhando produtivamente e contribuindo para a comunidade. Muito bonito no papel, mas a realidade no Brasil é outra história.

Se pensarmos, a saúde mental é uma coisa super pessoal e subjetiva. O que é considerado normal pra mim, pode ser uma insanidade para você. E aí que a coisa começa a ficar complexa. Porque a sanidade não é só uma questão biológica, com seus neurotransmissores e suas sinapses. Ela também é influenciada por fatores sociais e culturais, e não é apenas um diagnóstico binário, do tipo “saudável” ou “doente”. Ela é um espectro, um contínuo que vai do bem-estar absoluto à doença mental mais grave. E, dentro desse espectro, existem infinitas nuances e variações.

Vamos ao rolê imaginário. Acompanhe comigo. Primeiro, passamos pelo condomínio fechado, com segurança 24 horas e vizinhos que reclamam se a grama não está milimetricamente aparada. Aí mora o Patrício, um típico brasileiro de classe média. Saúde mental pra ele é ter condições de pagar o terapeuta, ter uma folga para ir ao pilates e, claro, garantir que os filhos tenham acesso às melhores escolas. Os seus problemas aqui giram em torno do burnout, da ansiedade por resultados no trabalho e da pressão social para manter o status. É aquela coisa: todo mundo precisa ser bem-sucedido, fit e feliz. Sorria para o Instagram, meu bem!

Agora, vem comigo pra outra realidade. Entramos na periferia, onde a Dona Josefa batalha todo dia pra pôr comida na mesa e dar um futuro para os filhos. Negra, periférica e cheia de garra, a saúde mental dela é um campo de batalha. Aqui, o acesso a um psicólogo é quase um luxo, e a luta é constante contra o preconceito, a violência e a desigualdade. O que significa saúde mental pra ela? É conseguir manter a cabeça erguida, mesmo quando o mundo parece desabar. É encontrar força na comunidade, na fé e nas pequenas vitórias do dia a dia.

Dona Josefa não tem tempo de fazer terapia pelo Zoom. O foco está em sobreviver e proteger os seus. A saúde mental aqui é prática, e ser resiliente é muito mais sobre resistência do que sobre bem-estar. É ter que lidar com o estresse de uma realidade dura sem os recursos necessários para um cuidado adequado. E aqui também a pressão social é outra: o racismo estrutural e a marginalização pesam como chumbo na mente.

Enquanto saúde mental para uns é a cereja do bolo, para outros é o pão de cada dia. No final das contas, precisamos entender que cuidar da mente não é só um luxo, mas uma necessidade que deve ser respeitada e atendida conforme as particularidades de cada um. E, claro, precisa ser democrática, inclusiva e, principalmente, realista. 

Porque, sim, na cuca de cada um há um mundo inteiro.



João Gomes da Silva
 nasceu no Recife/PE em 1996. Autodidata, é escritor, poeta e social media. Publicou em algumas antologias, como Granja, Sub-21, Capibaribe vivoTente entender o que tento dizer, No entanto: dissonâncias e etc. Edita a revista de literatura e ideias Vida Secreta.