Obsessão | conto de Adriano Espíndola Santos

 por Adriano Espíndola Santos__



Foto de Jr Korpa na Unsplash


Natália pensa que sabe o que é ser feliz. Ela me propõe aventuras e viagens para outros planos. Não perde qualquer oportunidade de me chamar para uma tal de Ayahuasca. Parece que se esquece que estudo filosofia justamente para me conectar à existência. É adepta, também, de cogumelos alucinógenos. E tudo o que ela faz — ou quase tudo — é no impulso. Entendo que queira buscar explicações para a vida. Todos nós devemos buscar explicações; nada é dito ou é claro. Semana atrasada Natália me chamou para uma dessas sessões com Ayahuasca. Relutei em ir, e ela se chateou. Disse que eu era um bunda-mole, medroso. Sim, disse que ela tinha razão, em parte, porque tenho medo de coisas que não posso controlar — mesmo sabendo que não há controle, por exemplo, para os atos do cotidiano; semana passada mesmo bateram no meu carro, e isso prova que não tenho controle sobre nada. Acho que me fiz entender, a questão é que não quero ficar refém de uma substância que pode me levar para o céu ou para o inferno, e sei bem o que é isso, pois, numa das poucas vezes em que fumei maconha, minha pressão caiu e tive alucinações, como se estivesse sendo viciado propositalmente pelo carinha que me deu a erva; sentia — ou cria — que ele teria colocado no conteúdo algo como crack ou coisa do gênero, justamente para me pegar. Não, eu sou bundão e o que mais a Natália quiser achar. A merda toda é que sou apaixonado por ela e não queria que ela se perdesse nesse mundo sideral. Natália foi à bendita sessão e me disse que pegou uma bad. Viajou planetas, conheceu extraterrestres que a perseguiam, fugiu da polícia e, por último, ficou presa num mundo de Lego, todo feito de brinquedo, do qual ela pedia muito para sair e era sempre exposta a provas, que teria de completar para ganhar a liberdade. Tudo isso ela me contou chorando. Falou que foi a pior sensação de sua vida. Pois é, queria aventura e encontrou o inferno. Mas não desistiu, pelo que notei, de procurar uma elucidação para essa vida fugaz, e para isso lhe dou o maior apoio. Insisti que fizesse uma formação em psicanálise, num instituto sério, para que compreendesse os seus dilemas. O curso tem tudo a ver com a sua formação em Ciências Sociais e com o seu lado humanista. Mas o que mais gostei foi saber que, nessa viagem, ela tinha me visto iluminado, sempre à margem das situações perigosas, e que procurava se chegar a mim, mas uma nuvem densa nos afastava. O que será que nos afastava? Acho que é a nossa incompreensão, e disse isso a ela. Pedi que parasse um pouco essa sede por descobertas; que, se quisesse, tentasse encontrar esclarecimentos no nosso plano. Ela concordou: pelo menos por um tempo ficaria livre dessa obsessão. Será, talvez — ou, espero —, o tempo de encontrarmos o nosso caminho.



Adriano Espíndola Santos é natural de Fortaleza, Ceará. Em 2018 lançou seu primeiro livro, o romance “Flor no caos”, pela Desconcertos Editora; em 2020 os livros de contos, “Contículos de dores refratárias” e “o ano em que tudo começou”, e em 2021 o romance “Em mim, a clausura e o motim”, estes pela Editora Penalux. Colabora mensalmente com as Revistas Mirada, Samizdat e Vício Velho. Tem textos publicados em revistas literárias nacionais e internacionais. É advogado civilista-humanista, desejoso de conseguir evoluir — sempre. Mestre em Direito. Especialista em Escrita Literária e em Revisão de Textos. Membro do Coletivo de Escritoras e Escritores Delirantes. É dor e amor; e o que puder ser para se sentir vivo: o coração inquieto. instagram:@adrianoespindolasantos | Facebook:adriano.espindola. email: adrianoespindolasantos@gmail.com