Oh, hoje eu vi um carteiro | crônica de Carlos Monteiro

 por Carlos Monteiro__






















        Parem as máquinas, pasmem(!!), eu vi um carteiro de verdade, daqueles com bolsa lateral azul, uniformizado no padrão camisa polo amarela e bermuda azul, e que só entregam pequenas correspondências entremeadas pelos dedos, como faziam os trocadores dos antigos bondes da cidade, dentre elas cartas — também conhecidas por missivas. Bom, caríssimos leitores, provavelmente aqui ninguém saiba o que são cartas e muito menos o que são bondes, mas meninos eu vi e não era o I-Juca-Pirama.
Não era o carteiro que traz os pacotes, fruto das compras em alguma plataforma digital, grandes embalagens. Era o carteiro de porta a porta, raiz dos bairros da cidade, que conhece os moradores pelo nome, as ruas pelas referências das bodegas e sua numeração de cor e salteado... creiam meus caros leitores; eles (ainda) existem em tempos do já antiquado e-mail, das plataformas de mensagens e dos aplicativos. Sinais de fumaça cibernéticos, tambores que fazem ‘plin’.
Alguém ainda lembra da ZC (Zona de Correio), avó do CEP? Lembra do telegrama? Do telegrama-fonado, transmitido em viva voz por meio de um telefone fixo, que recebia destaque na casa – o aparelho -, a disco confeccionado em baquelite? Do aerograma... Alguém? Do envelope com borda colorida, paleta das cores territoriais? Do papel fino pautado para que pesasse menos na hora da postagem?
Diante dessa profusão de memórias, veio-me, imediatamente, à lembrança a grandiosa Isaurinha Garcia, em trilha sonora, sucesso do século passado: Mensagem (de Aldo Cabral e Cícero Nunes), onde o medo sucumbiu ao desejo de abrir a carta a ela endereçada. Em devaneios evoquei ou, sei lá, invoquei Álvaro Campos: “... Todas as cartas de amor são ridículas. Não seriam cartas de amor se não fossem ridículas...”. 
Será que ainda há alguém que escreve cartas de amor, perfumadas, com caligrafia floreada, apurada e caprichada em papéis quase papiros? Cartas trocadas com frases picantes como as realizadas entre a Titília e o Demonão, expondo uma intimidade que só os amantes mais ‘afoitos’ conhecem? Aliás, alguém ainda fala de amor recitando Pessoa, Vinícius ou Hilst? 
Alguns intelectuais trocaram cartas memoráveis, alguns amantes se deliciaram com palavras acridoces em bem traçadas linhas, alguns carteiros, sem sabê-lo, levaram em suas mãos amores e ódios que, por sinal, andam de mãos dadas, cartas trocadas como fogo cruzado.
A verdade é que hoje / As minhas memórias / Dessas cartas de amor /É que são / Ridículas.



Carlos Monteiro
 é fotógrafo, cronista e publicitário desde 1975, tendo trabalhado em alguns dos principais veículos nacionais. Atualmente escreve ‘Fotocrônicas’, misto de ensaio fotográfico e crônicas do cotidiano e vem realizando resenhas fotográficas do efêmero das cidades. Atua como freelancer para diversos veículos nacionais. Tem três fotolivros retratando a Cidade Maravilhosa.