Seis poemas inéditos de Manoel Tavares Rodrigues-Leal

 por Manoel Tavares Rodrigues-Leal__




Ervin Marton. Au Petit Bar, Paris c. 1950.


“Das Gedicht ist einsam. Es ist einsam und unterwegs. Wer es schreibt, bleibt ihm, mitgegeben.” Paul Celan, Der Meridian


“O poema é solitário. É solitário e em caminho. Quem o escreve, permanece para ele, é-lhe dado.” (trad. L. de B. Tavares)



I

(aos amigos presentes-ausentes)


em paris me exilo.

percurso incólume.

e de paris retorno.

“au petit bar”

onde bebo a bica.

e ouço música

os meus amigos

zé manuel e emílio.

somos os primitivos passos.

e a concha de prata.

onde acorda. obrigatório. o exílio.

a apoteose do silêncio.


Setúbal – 12-4-75 (após uma estada em Paris)


II

remove-se a memória


Lx. 4/5-75 (?) – As palavras estão rasuradas no manuscrito, mas foram cuidadosamente decifradas. Dir-se-ia uma espécie de poema iniciado, apenas com um belo verso. 



                  

III

afixo o que ardente. fixo.

e há o fluxo e o murmuro refluxo.

espelhos. extáticos que fito.

o olhar. melancólico. recluso.

que se perfaz. de imagens. o (diz)curso.


Lx. 15-2-75 – 3-5-75


IV

só desejo de desejar.

o dom.

a ígnea mensagem.

de um amor ausente.

a hera secular.

onde. cantantes. agem

os dedos mortos.

por essa doença.

que se designa por clivagem.


Lx. 10-6-75


V

só morte. iminente.

acendes. por sob os vidros. idos. da tarde.

sós. amanhecentes.

buscando brilhos vislumbrados.

candelabros. amamo-nos. quentes e longínquos.

alçando a taça do esquecimento.


Setúbal – 15-6-75


VI

lugar grave onde aqueces-ermos

melancolia


Lx. (?) – 6-75 (?)

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Apoios de tradução:

CELAN, Paul (1996). Arte Poética. O Meridiano e outros textos. Trad. João Barrento. Lisboa: Relógio D’Água.

CELAN, Paul (2002). Le Méridien & Autres Proses. Éd. Bilingue. Trad. de l’Allemand et annoté par Jean Launay. Paris: Seuil.


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*Coligidos do caderno Voz Equívoca (As Flores Eloquentes) por Luís de Barreiros Tavares







Manoel Tavares Rodrigues-Leal (Lisboa, 1941-2016) foi aluno das Faculdades de Direito de Lisboa e de Coimbra, frequentando até ao 5.º e último ano, mas não concluindo. Em jovem conviveu com Herberto Helder no café Monte Carlo frequentando com ele “as festas meio clandestinas, as parties de Lisboa dos anos 60 e princípios de 70”. Nesses anos conviveu também com Gastão Cruz, Maria Velho da Costa, José Sebag, entre outros. O seu último emprego foi na Biblioteca Nacional, onde trabalhou durante longos anos (“a minha chefe deixava-me sair mais cedo para acabar o meu primeiro livro, A Duração da Eternidade”). Publicou, a partir de 2007, cinco livros de poesia de edição de autor. As suas últimas semanas de vida foram muito trágicas, caído no quarto, morrendo absolutamente só.