Sobre a era dourada da literatura russa — literatura soviética e suas propagações

  por Arthur Moreira__



          A assim reconhecida Era Dourada deu-se no século XIX, onde, na época, havia a tentativa de desvincular-se dos contextos europeus na literatura, especificamente da França, Império que obtinha influência mundial na difusão cultural, entretanto, também por conter imigrantes da Revolução Francesa com forte participação na Rússia czarista.

 O romantismo, escola literária que abriu esta era, encontrou seu lar entre os autores, hoje mundialmente conhecidos, como Puchkin, Lermantov e Tiutchev. O movimento apresentava contextos nacionalistas, ou seja, poemas e prosas sempre situados no grande império russo.

Inspirados nos autores românticos, o realismo começou a propagar-se na segunda metade do século XIX, não apenas na Rússia como, também, na França. Por exemplo, hoje o considerado precursor do estilo é Madame Bovary (1856), escrito por Gustave Flaubert. Já na Rússia, o considerado precursor do movimento foi Nikolai Gógol, mesmo que a maioria de seus escritos datem da primeira metade do século, o autor deixou sua herança para seus admiradores. O considerado grande escritor da era, Fiódor Dostoievski, certa vez disse: “Todos nós saímos do capote de Gógol”. Porém, regressaremos a falar do início do estilo.

O Realismo russo ficara marcado pela precisão sobre a sociedade russa. Em 1861, por exemplo, houve o fim da servidão russa. Nota que o império vivia no sistema feudal, diferente de seus vizinhos europeus que já viviam no sistema capitalista pós-revolução industrial. Nesse contexto, Ivan Turguêniev escreveu um de seus romances Pais e Filhos (1862). No livro, o autor fala sobre a diferença das gerações russas, conservadores moderados e liberais modernos, com o contexto historiográfico das consequências do fim da servidão. Além disso, vale ressaltar que o autor também apresenta o niilismo, corrente filosófica que se espalhava na Europa. 

Dostoievski, citado nos parágrafos anteriores, assim como Turguêniev, citou certas correntes filosóficas que corriam no ocidente, entretanto contrariando, em sua novela Memórias do subsolo (1864), o positivismo e o racionalismo. O autor, também, é conhecido por ser o mais assertivo sobre o âmago e a sociedade russa, principalmente em seus romances Crime e Castigo (1866) e Irmãos Karamazov (1879-1880).

Liev Tolstói, conhecido por suas obras acerca da morte e religião, como, respectivamente, em:  A morte de Ivan Ilitch (1886) e Uma Confissão (1882). Escreveu, também, dois dos maiores romances do realismo russo: Guerra e Paz (1867) no qual descreve o cotidiano e acontecimentos antes e durante a invasão napoleônica em 1812 e Anna Kariênina (1873) no qual apresenta personagens complexos, profundamente humanos e ambíguos.

Como último exemplo, quase na virada do século XIX para XX, o realismo russo alcançou, na opinião de quem vos escreve, seu apogeu nas mãos de Anton Tchekov. Conhecido, ao lado de Edgar Allan Poe, o maior contista literário, escrevia sobre situações cotidianas russas de maneira única. Não há maneira de prever o meio nem o fim do conto, sequer sabemos realmente do que se tratam os textos e, quase que todas às vezes, terminam de forma abrupta e impactante. Tchekov renunciava à moral religiosa e de ideologias políticas em seus escritos. Certa vez disse: “Não cabe ao escritor a solução de problemas como Deus ou o pessimismo; seu trabalho consiste em registrar quem, em que circunstâncias, disse ou pensou sobre Deus ou o pessimismo”. Seu último conto data no de 1900, na já considerada “era de prata”.

Apesar do realismo russo ter foco no povo local, a literatura, já na época, se espalhava pelo mundo como nunca, inclusive no Brasil. O Dr. Bruno Barreto Gomide em sua tese Da estepe a caatinga: o romance russo no Brasil (1887–1936) (2004) aponta que a proliferação internacional da literatura russa ocorreu por um “empurrão” do ensaio-manifesto O Romance Russo (1886) de Eugène-Melchior de Vogüé, já que, depois de sua publicação, impressões e traduções para diversas línguas foram feitas em massa. Inclusive, traduções que, ainda segundo o Doutor, adicionava partes inteiras nos textos. Friedrich Nietzsche, por exemplo, homenageou Dostoievski diversas vezes por seus romances, contos e novelas, entretanto, os textos ao qual o filósofo teve acesso eram, muitas vezes, modificadas, desmontadas e encaixadas como um quebra cabeça, a parti de traduções do francês para o alemão. Todavia, deixaremos para aprofundarmo-nos sobre isso em algum outro ensaio sobre traduções russas.

Ainda no século XX, tivemos, também, a literatura soviética. Temos muito a dizer sobre ela, mas muito pouco também. Efeito da onda anticomunista durante o Estado Novo no Brasil. Diversos escritores da época caíram no esquecimento global, resultado da censura, tanto do governo quanto de conservadores, donos das editoras brasileiras. Na monografia A recepção da literatura russa no Brasil por meio dos ensaios de Otto Maria Carpeaux (2020), o pesquisador André Rosa expõe alguns trechos de ensaio de Otto Maria Carpeaux. No ensaio Em torno do romance soviético (1949), Carpeuax defende que o preconceito bolchevique privava os leitores brasileiros de obras incríveis. Como exemplo, Otto citou Vera Panôva, ganhadora do prêmio Stalin em 1947 pelo romance Sputnik (1946), a quem chamou de “Tchekov da atualidade russa”, apelido que encantou o autor deste ensaio, visto a discrepância de linhas utilizadas para falar de Tchekov em comparação aos outros escritores. Infelizmente, o autor não sabe a língua russa, uma lástima, pois nenhum dos romances ou contos da escritora foram traduzidos para o português, assim como a maioria dos escritores citados por Carpeaux no artigo.

Na época, falava-se em como a literatura russa havia perdido seu valor literário, como que, após o desaparecimento das classes, os proletários e trabalhadores haviam feito a literatura decair, entretanto, Carpeux debateu com: “Tchekov era descendente de servos; o importante romancista Sologub confessou-se filho de um alfaiate e de uma criada; antes de 1917, já foi a grande época do proletário Górki”. As publicações soviéticas já não incluíam o apreço ao valor literário, e sim, ao valor político. Um dia na vida de Ivan Denissovitch (1962), por exemplo, contava sobre os campos de trabalho forçado no período Stalinista e exercera efeitos mundiais contra a U.R.S.S, e, a circulação do livro no Brasil, ocorreu rapidamente.

Mesmo hoje, muitos autores são desconhecidos pelos leitores brasileiros, até porque não há como sentir vontade de ler algo que sequer sabemos que existiu, algo que nos foi privado de conhecer. Ao menos, até hoje são lançadas traduções, agora de maneira direta do russo e não por intermédio francês, dos russos clássicos, isto é, da era dourada.







Arthur Moreira (2007) é paulista e reside em Delmiro Gouveia–AL. Entusiasta de mídias audiovisual, história, literatura, traduções, fotografia e produção musical. É também multi-instrumentista e lançou em 2023 o disco Armatos — As largaixas de Jeová em parceria com Wellington Amancio.